Gustavo Souza Correa é psicólogo e graduando em gerontologia. Entusiasta da longevidade, trabalha há mais de 18 anos com a temática do envelhecimento. Nesta coluna, nos convida a ressignificar a passagem dos anos e trilhar uma jornada de autoconhecimento para viver mais e melhor.

A longevidade se tornou mais um objeto de consumo

Com isso, pretensiosamente desejamos viver muito, mas evitando o longos anos da velhice, com seus indesejáveis limites, desafios e ajustes necessários

Publicado em 28/09/2023 às 15h28
Idoso com skate
Pessoas idosas dançam, completam maratonas, praticam calistenia, andam de skate e patins. Crédito: Shutterstock

Desde documentários, livros, perfis e posts nas redes sociais, podcasts e canais dedicados ao tema (e tantos outros que surgem a cada dia a se aventurarem nesse universo), não há mais dúvidas: a longevidade está em alta, e veio pra ficar. 

Ora, mas isso é maravilhoso, não é?! Claro que é. Mas não exatamente.

O “nicho é quente” (diz o marketing digital!) e tem atraído cada vez mais a nossa audiência. Pessoas idosas dançam, completam maratonas, praticam calistenia, andam de skate e patins cantando “Poker Face” da Lady Gaga. Investimos nosso tempo contemplando passivamente, e pensando (sem ação efetiva) essa vida.

E enquanto o influencer das finanças apresenta e discursa entre as melhores opções para montar uma boa carteira pagadora de dividendos - com boa liquidez para a aposentadoria - ou previdência privada (porque o INSS, já se viu!); outros nos lembram que as realidades são muitas, e isso é pra quem pode, pois “os boletos não esperam” e não sobra pro “eu do futuro”.

O fato é que o mercado já precificou a longevidade.

Translucidamente, os motivos para isso são notórios. Os números que referem a nossa demografia global são expressivos e categóricos e nos amparam nessa empreitada: 1,1 bilhão (13,9%) da população mundial, que chegou a 8 bilhões, contavam com mais de 60 anos ao final de 2022. 1 bilhão e 100 mil é quase uma China inteira!

De 1950 a 2022, enquanto a população total triplicou, o grupo com mais de 60 sextuplicou. Nesse fluxo, numa projeção, atingiremos a marca aproximada de dois bilhões de pessoas idosas vivendo neste planeta no ano de 2050.

Mas, claro, na sociedade do espetáculo, em que os cardápios são cada vez mais extensos e se multiplicam em opções (e por isso as escolhas nos geram tanta ansiedade), para quem não gosta de estatística, é só olhar em volta, seja na padaria ou na farmácia da esquina, para constatar que caminhamos a passos largos para sermos um mundo cada vez mais velho. 

E como estão as pessoas idosas à sua volta? Aquelas da vida real com as quais você convive? Longevas ou simplesmente idosas? Envelhecemos. Ontem, agora e amanhã. E nesse processo, vale sempre a lembrança, de que, ao menos por enquanto, não dá para queimar etapas e a velhice nos espera.

No entanto, voltando ao nosso presente, a “trend” da longevidade parece seguir a tentativa de nos tornar magicamente, e sem tanto esforço, longevos (velhos, jamais). Desconsiderando assim as velhices reais e aquelas que nos são possíveis.

A longevidade se tornou mais um objeto de consumo. Com isso, pretensiosamente desejamos viver muito, mas evitando o longos anos da velhice, com seus indesejáveis limites, desafios e ajustes necessários.

Enquanto isso, no balcão ao lado, alguém faz um pedido: eu quero o combo “longevidade saudável”, mas sem velhice, por favor! Sem chance. O fato incontestável é que a longevidade é consequência da velhice.

Na continuação da nossa história, a velhice, que povoa o nosso imaginário, ainda pressupõe, como diria Freud, o “sofrimento de testemunhar a irreversível decrepitude e a certeza da mortalidade de nosso corpo”. Por isso, talvez por isso, a nossa tentativa de manipular, maquiar, camuflar, ou embelezar aquilo que nos parece feio. 

Terceira idade, melhor idade, golden age, silver age ... longevidade. Tudo para dizer da fase que (aqui entre nós) não estamos dispostos a bancar.   

Podemos pular esse capítulo!?

E lá no fundo, embrulhados nas imagens da velhice que nos remete a finitude da vida, não conseguimos nos ver envelhecidos, por isso é melhor desejarmos apenas a longevidade. 

Afinal, e se o abismo nos olhar de volta?

Nesse intento, apesar da proposta da longevidade nos dar indícios de que existem outras imagens acerca do que pode ser a vida depois da sexta década, à medida que a consumimos (numa versão isolada) sem antes consultar o seu preço, e o seu rótulo, negamos a velhice contida em sua fórmula, fomentando ainda mais desentendimentos acerca do que é, e do que pode vir a ser essa fase da vida. 

Portanto, sinto muito, mas esse episódio não é interativo e o desfecho é único: primeiro velhos, para quiçá longevos! Sem devoluções.

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