Presidenta da Sociedade Brasileira de Bioética, pós-doutora em Saúde Coletiva, doutora em Bioética

Bolsonaro e os yanomamis: um governo marcado por genocídio

Para além da garantia dos Direitos Humanos, proteger os Yanomamis é uma questão de respeito à nossa ancestralidade, de valorização da inteligência nacional, de proteção de nossas florestas, de nossos rios, de nossa diversidade.

Publicado em 24/01/2023 às 00h20
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou a população Yanomami em Boa Vista (RR)
Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, visitou a população Yanomami em Boa Vista (RR). Crédito: Ricardo Stuckert/PR

As imagens são fortes, agridem a retina e fazem doer o coração. Impossível não chorar com a constatação das consequências do que representou nossa incapacidade política de defender a democracia a tempo de preservar a vida de tantos e dos yanomamis em especial.

Eles foram sendo mortos a partir de um projeto vitorioso de extermínio de seres humanos mais vulneráveis e desprotegidos da ganância e da perversidade que se instalou no Palácio do Planalto e em tantos outros órgãos e instituições que se locupletaram, se associaram ou se omitiram de forma criminosa.

Sobra-nos apenas chorar o "leite derramado" e lamentar os que já se foram e não tiveram forças para aguardar o tempo da política e das chamadas regras democráticas. Quatro anos é tempo mais do que suficiente para um genocida colocar em execução e concluir um projeto criminoso de destruição da história e da vida de um povo.

Chorar o "leite derramado" e pensar que agora é tarde para recuperar tantas marcas irreversíveis nos corpos, na saúde mental, no espírito e na cultura de um povo que precisava ser protegido pelo Estado e, ao contrário, foi por ele dizimado.

A história registrará, e já está registrando, nossa demora, incompetência, leniência, falta de sabedoria, de esforço e de coragem em enfrentar os ataques feitos à democracia durante esses longos e intermináveis quatro anos do governo de Jair Bolsonaro, o genocida por excelência, o hipnotizador, o manipulador de discursos.

O certo é que deixamos para agir apenas quando o risco nos pareceu extremo. Se tivéssemos nos movimentado e organizado antes talvez tantos não tivessem partido sem chances de sobreviver à barbárie.

Apesar de tudo, ainda há tempo de corrigir uma parte dos erros cometidos e tentar reverter a lógica genocida que se instalou na cultura e nas instituições.

Os Yanomamis, povos originários, vulneráveis, alvos de ataques programados e fruto da conivência deliberada, intencional e anunciada pelo governo de Jair Bolsonaro, devem ser agora o centro de todos os esforços governamentais no sentido de estancar o morticínio.

A eles foram negados alimentos, remédios, segurança e paz. Aos garimpeiros foram dadas todas as condições para promover o extermínio. Resta saber quanto Bolsonaro recebeu para promover a matança ou se o fez mesmo pelo simples prazer de matar e mostrar a força de seu poder destrutivo, ignorante, perverso e criminoso.

A ação coordenada e estratégica de intervenção dos diferentes ministérios poderá trazer resultados mais ágeis e capazes de interromper o fluxo de morte e de destruição de um povo e de uma cultura. Mas é preciso mais. Enfrentar os donos dos garimpos e os madeireiros ilegais é tarefa hercúlea e de difícil execução. Não é uma questão de simples fornecimento de alimentos e remédios. É uma questão de segurança nacional.

Para além da garantia dos Direitos Humanos, proteger os Yanomamis é uma questão de respeito à nossa ancestralidade, de valorização da inteligência nacional, de proteção de nossas florestas, de nossos rios, de nossa diversidade.

Enfrentar os crimes cometidos por Bolsonaro e seus cúmplices contra os povos Yanomamis e outras etnias, requer um esforço concentrado das forças de segurança, com alocação de efetivo em quantidade suficiente para o enfrentamento. Entretanto, mais do que a quantidade de efetivo policial federal, é necessária a ação das forças de inteligências das polícias, do Exército, do Ministério Público e dos órgãos do Executivo. É preciso identificar, afastar, denunciar e punir os servidores públicos e os parlamentares envolvidos nos crimes. Sem condenação dos criminosos não há reparação possível.

Bolsonaro e sua política genocida matou crianças, mulheres, adultos, idosos, rios, terras, matas e cultura de forma perversa. É um crime contra a humanidade e como tal deve ser julgado. Bolsonaro, e todos os que o ajudaram no cometimento desses crimes, deverão ser julgados não apenas em um Tribunal Nacional. Sendo crimes contra a Humanidade deverão também ser julgados em um Tribunal Internacional, para que o registro histórico possa nos ajudar a lembrar dos riscos que os flertes com a ditadura e com a perversidade podem nos acarretar.

Onde estava Damares, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, que foi capaz de construir tantas e tão hilárias fake news e teorias absurdas sobre ataques a mulheres, preocupação com as cores das roupas de meninas e meninos e não foi capaz de se sensibilizar e se ocupar das crianças indígenas que morriam de fome e com doenças causadas pela invasão de suas terras e pelo garimpo ilegal, tudo isso acontecendo debaixo de seus olhos? Que providências tomou Damares diante das reiteradas denúncias feitas à Funai, que estava abrigada em seu ministério?

Damares deve ser julgada como uma das mãos executoras do projeto de Bolsonaro de extermínio indígena no Brasil .

Onde estava o Exército enquanto os garimpeiros assassinavam os indígenas, invadiam suas terras e as destruíam?

Onde estavam e o que faziam a Funai, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e tantos outros órgãos governamentais, quando chegavam os ofícios com as denúncias e os pedidos de providências diante das invasões de garimpeiros a terras indígenas?

Onde estavam os missionários cristãos, ativistas de um cristianismo salvador de almas indígenas e com olhos fechados e coniventes com o extermínio dos corpos e das culturas dos povos originários? Questionaram seus pastores e líderes sobre o apoio irrestrito e intransigente das igrejas ao genocida afirmando, categoricamente, ser ele o melhor presidente que o Brasil já teve? Lembraram a eles, e a vocês mesmos, que Jesus jamais compactuaria com posições de indiferença conivente e perversa com a violência, com a produção de fome, de doenças e de morte?

Onde estão as manifestações de repúdio dos pastores e de algumas igrejas protestantes históricas aos crimes cometidos contra os Yanomamis? Não se sensibilizaram com os corpos esquálidos, adoecidos e profundamente vulnerabilizados das crianças e idosos Yanomamis? Perderam sua capacidade de amar como Jesus amou?

O pacto civilizatório foi rompido e é preciso restaurá-lo. A restauração exige responsabilização e condenação em níveis compatíveis com os crimes cometidos. Uma justiça justa, em um país democrático, jamais dará anistia a criminosos desse padrão. Jamais se esquecerá de que a Dignidade da Pessoa Humana, sua vida e sua saúde, são valores inegociáveis.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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