Médico, psiquiatra, psicanalista, escritor, jornalista e professor da Universidade Federal do Espírito Santo. E derradeiro torcedor do América do Rio

De um jeito ou de outro, os psicanalistas escolhem os pacientes

Cheguei e entrei na sala onde atendia Fernando Ulloa. Tinha uma voz serena, doce e levemente rouca. De repente fiquei à vontade. Ele esclareceu que, olhando pela janela, me viu parado na calçada e "me escolheu"

Publicado em 26/08/2019 às 15h42
Atualizado em 28/08/2019 às 05h56
Psicanalista espanhol Fernando Ulloa. Crédito: Reprodução
Psicanalista espanhol Fernando Ulloa. Crédito: Reprodução

Passeava por Buenos Aires, principalmente pela Livraria El Ateneo, obra-prima da cidade, quando vi um livro de Fernando Ulloa, em castelhano. Como o título é um jogo de palavras, peço licença para escrevê-lo em sua língua: “Salud ele – Mental. Com toda la mar de detrás”.

> Fazer psicanálise é ser verdadeiro sem tentar teatralizar

Não me atrevo a traduzir, até porque isso não teria sentido e a originalidade indica que cada leitor exerça sua internalização transmutadora, como descreveu Heinz Kohut. Ulloa era referência internacional nas ciências da mente e do soma. Nasceu em 1924 e graduou-se em Medicina em 1950.

Trabalhou junto com Pichon Riviere, na Experiência Rosário. Criou as Assembleias Clínicas: com alunos reunidos para pensar. Eles mesmos eram objetos da clínica, e se observavam integralmente. Foi eleito presidente da Federação Argentina de Psiquiatras. Trabalhou ajudando familiares de desaparecidos e presos políticos, além de colaborar com perícias para esclarecer casos de tortura durante o terrorismo de Estado da ditadura argentina.

Caríssimos leitores, poderão estar se perguntando o que tenho eu a ver com este brilhante psicanalista. Acontece que no Rio de Janeiro, para onde viajava para ter com patrícios, fui encaminhado a ele por uma amiga. Atendia em idas e vindas em um casarão de Botafogo.

Cheguei e entrei na sala onde atendia. Tinha uma voz serena, doce e levemente rouca. De repente fiquei à vontade. Lembro-me de cada cena e palavras daquela sessão. Esclareceu que olhando pela janela me viu parado na calçada e “me escolheu”. Depois viria constatar que nós todos, os psicanalistas, também escolhemos os clientes. Se isso não ocorre de um jeito ou de outro não há terapia. Podemos nos separar trabalhando mal ou sem vontade de ver o outro crescer no encontro.

Fernando pediu que lhe contasse um sonho, qualquer sonho. Na noite anterior, havia sonhado com um senhor mais velho, que ajudava com cuidado minha avó Alice a se acomodar na sua cadeira de balanço de onde distribuía amor e sabedoria. Contei.

Quando eu esperava um comentário ou uma interpretação, pede que eu mesmo fizesse isso. Disse que talvez representasse o desejo de que ele – Ulloa – tratasse com cuidado as minhas coisas antigas. “Excelente”, disse ele.

E fomos conversando. Continuamos esse encontro fantástico, com essa pessoa fantástica. Depois a minha alma precisava de mais frequência e ele me encaminhou para uma terapeuta do Rio. Depois cheguei a vê-lo e cumprimentá-lo algumas vezes, em um evento, coisa assim.

A saúde mental elementar apesar de um mar inconsciente. Foi minha tradução do título.

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