Arquiteto, professor da Ufes e diretor do IAB/ES. Cidades, inovação e mobilidade urbana têm destaque neste espaco

Centenário da Bauhaus é elogio à utopia: inalcançável, mas necessária

Num momento histórico no qual vemos retrocessos socioculturais em todo o mundo, é oportuno reconhecer o valor daquela escola por meio da difusão de suas ideias

Publicado em 16/08/2019 às 11h48
Atualizado em 24/08/2019 às 15h26
O prédio da Bauhaus em Dessau, na Alemanha. Crédito: Pixabay
O prédio da Bauhaus em Dessau, na Alemanha. Crédito: Pixabay

Fundada na Alemanha há 100 anos, no período entre as duas grandes guerras, a Bauhaus extrapolou fronteiras e ainda hoje nos serve de referência, mesmo aqui no Brasil, ao propor o encontro da arte com a indústria num mundo em direção ao futuro. Daí que cabe indagar: como olhar o mundo de hoje sem a perspectiva que a contribuição seminal da Bauhaus proporcionou?

Antes, porém, convém retornar ainda mais no tempo para tratar de outra perspectiva, a de ponto de fuga central, inventada no Renascimento, e que mudou não só o modo de representar a realidade, mas, principalmente, representava o novo modo do homem se colocar nela. Graças ao racionalismo do período, que buscou suplantar os excessos da doutrinação espiritual cristã e pôs o homem em posição central em relação ao universo, a visão foi mais longe, o mundo não mais acabava na linha do horizonte, novos “mundos” foram descobertos, o conhecimento foi disseminado em impressões sobre papel e a arte alcançou timbres notáveis.

O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci. Crédito: Reprodução
O Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci. Crédito: Reprodução

É claro, como a história já mostrou, o caminho é cíclico, com avanços e retrocessos. O recuo, porém, muitas vezes é estratégico, permitindo, mais tarde, que se volte a avançar e, ao fazê-lo, sempre retorna com mais convicção e força.

Nem sempre se pode culpar a quem não acredita (ou não acreditava) que havia algo depois da linha do horizonte; talvez o melhor seja lamentar a falta de visão ou imaginação de quem se recusa a crer. Tal como ocorre hoje no caso do desmatamento da Amazônia, por exemplo...

O ideal seria que pelo menos não houvesse embates, permitindo, assim, que aqueles que enxergam além possam seguir em frente. Mas aí, e recorrendo de novo à história, sabemos que muitos dos incrédulos acabam reagindo veementemente, criando barreiras, erguendo muros, jogando ideias em fogueiras que ardem em plena praça, o que, de fato, inibe, afugenta, destrói sonhos e novas perspectivas. Ideias novas, muitas vezes assustam.

O nascimento da indústria assustou. A explosão urbana das cidades europeias, em função da migração do homem que abandonava o meio rural para trabalhar nas indústrias, assustou. A indiferença das elites às transformações urbanas provocadas pela industrialização, assustou. E uma nova geração de artistas, arquitetos e intelectuais urbanos ficaram assustados com uma produção artística indiferente às novas possibilidades do mundo graças à industrialização. E, por que não?, uma arte industrializada, racional, pensada em consonância com um novo tempo que ora se apresentava? Um mundo que, graças aos novos meios de transporte e comunicação, diminuiu distâncias, aproximou pessoas, abriu fronteiras.

A Revolução Industrial numa tela de William Bell Scott. Crédito: William Bell Scott/Reprodução
A Revolução Industrial numa tela de William Bell Scott. Crédito: William Bell Scott/Reprodução

E a Bauhaus desafiou o pensamento então vigente, propondo uma arte democrática, acessível, funcional, capaz de mostrar ao cidadão comum como a arte pode ser democrática, acessível e funcional, e assim, colocá-lo em nova perspectiva diante de si mesmo.

O que teria ocorrido se a Bauhaus não tivesse sido fechada em função da ascensão do nazifascismo? Se, em tão pouco tempo de existência, ela contagiou, influenciou, determinou um novo modo de pensar não somente a arte, a arquitetura e o design, mas o modo de vermos o mundo, o que diria se sua atuação tivesse se prolongado por mais tempo?

O fechamento drástico da Bauhaus, porém, não foi capaz de interromper a disseminação daquelas ideias plantadas por uma geração de artistas, arquitetos e designers predestinados que se reuniram na escola por acreditarem que era possível fazer diferente. E fizeram!

Ainda que não se possa falar verdadeiramente de um “estilo” Bauhaus, haja vista o seu método racional, quase científico, no desenvolvimento de um projeto de design ou arquitetura, é certo que o uso de elementos ou estratégias como ponto, linha, plano, formas geométricas puras, cores primárias, anti-historicismo, contagiou várias gerações de artistas, arquitetos e designers que buscavam novos modos de expressão.

E é essa lição, aquela aspiração, 100 anos depois, imbuída em quem fez a Bauhaus que deve ser trazida de volta. A utopia, ainda que, como se sabe agora, seja inalcançável, é necessária. Num momento histórico no qual vemos retrocessos socioculturais em todo o mundo, mas principalmente diante da crise que se coloca agora na Educação no Brasil, é oportuno reconhecer o valor inquestionável daquela escola por meio da difusão de suas ideias. E ainda que os tempos sejam outros, principalmente quando se pensa na juventude, que é quem pode mudar o mundo, é urgente pensar que só pela Educação faremos um mundo melhor.

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