O papel de um presidente da República não é mudar superintendente da Polícia Federal em Estados ou auditores fiscais da Receita porque estão incomodando a ele e a seus familiares.
Não é fazer live para expor cordãozinho de nióbio no Japão, nem publicar homens mijando na cabeça em sua conta oficial no Twitter, nem censurar seriados, nem determinar que tipos de filmes a Ancine pode financiar, nem escolher a dedo, pessoalmente, qual comercial vai ao ar ou não vai. O papel de um presidente da República não é mandar e desmandar em tudo. Não foi para isso que ele foi eleito.
O papel mais importante de um presidente da República é o de servir como referência; indicar, com seus gestos, palavras e exemplos pessoais, a direção que o país deve tomar. Neste ponto, as palavras enunciadas por um presidente da República têm importância sem igual.
O que ele diz é tão ou mais importante do que aquilo que ele faz. Até porque, como tem aprendido a duras penas, o que ele pode fazer no cargo tem limites. O que ele pode dizer, não. E o que sai de sua boca, sem limites, tem o poder de estimular ou desencorajar comportamentos por parte dos cidadãos governados por ele.
Bolsonaro está falhando miseravelmente no cumprimento desse papel.
Muita gente tem dito: “Ah, ele realmente fala muita bobagem. Ele realmente não é inteligente. Mas está bem-intencionado...” Dizem isso em um tom condescendente, até paternalista, como passando a mão na cabeça de uma criança que não sabe o que faz, ou perdoando aquele tio-avô que se junta à família para a ceia de domingo e profere, à mesa, uma enxurrada de idiotices. Bolsonaro não é criança, não é o tiozão do pavê ou do WhatsApp. É o presidente da República. E passou da hora de passar a agir como tal.
É equivocado o raciocínio de que são inofensivas as sandices que jorram da boca de Bolsonaro. Primeiro porque, na realidade, o presidente não está “só” falando. Está falando e fazendo. E suas ações no governo têm acompanhado o seu discurso, com absoluta coerência (o que, no caso, também vem a ser um problema, dado o teor das ideias, inacreditavelmente atrasadas, em diversas áreas, para alguém que ocupa o posto de chefe de governo e de Estado da oitava maior potência mundial).
Em segundo lugar, ainda que o governo Bolsonaro não estivesse tomando medidas danosas ao próprio país, o que ele diz, como referência para muita gente, encoraja e estimula as pessoas a agirem, nas ruas, nas escolas, nas cidades, no campo e até nas matas brasileiras, conforme os rumos e diretrizes que ele indica.
Não é ele quem atira. Mas suas falas fazem ainda mais estrago
Não é Bolsonaro, pessoalmente, que vai bater no casal gay na rua se o vir demonstrando afeto em público. Mas que mensagem ele transmite para o cidadão comum, sobretudo o seu admirador, se, sentado à cadeira de presidente, como se não tivesse nada mais com que se preocupar, declara que não quer o “turismo gay no Brasil, mas quem quiser vir fazer sexo com mulher, fique à vontade"?
Que mensagem ele passa com isso?
Se Bolsonaro reafirma, o tempo todo, com seus gestos e palavras, que ser homossexual é errado e que o certo é exercitar a homofobia, por que eu, cidadão comum, vou enxergar algum problema em praticar crimes de ódio contra a população não heterossexual?
Do mesmo modo, não é Bolsonaro, pessoa física, capitão reformado do Exército, quem vai literalmente pegar um fuzil e sair disparando tiros por aí, inclusive em “alvos” inocentes.
Mas que mensagem ele passa para o cidadão comum, sobretudo o seu admirador, se um pai de família é literalmente metralhado por homens do Exército com 80 tiros no Rio de Janeiro, diante de esposa e filho, enquanto conduz sua família em seu carro de passeio para um chá de bebê, e se, após dias de silêncio inexplicável, Bolsonaro enfim se pronuncia, não para condenar aquela ação, mas para, brigando com as evidências, disparar que o “Exército não matou ninguém”?
Que mensagem passa o presidente se está o tempo inteiro a afirmar que, sob seu governo, os homens das forças de segurança pública terão praticamente garantida uma licença para matar em serviço sem terem que se preocupar com eventuais consequências jurídicas?
Ora, se o próprio presidente o encoraja a agir assim, o homem fardado terá motivo para pensar duas vezes antes de puxar o gatilho, mesmo que a morte da vítima no caso não se justifique e possa ser evitada?
Teremos nós por que nos preocuparmos com o fato de que a polícia brasileira já é uma das mais letais do mundo?
E aí chegamos à questão ambiental.
Discurso do presidente encoraja descaso e crimes ambientais
Evidentemente, não é Bolsonaro, o presidente, que vai riscar um fósforo e atear fogo no arbusto. Mas, desde a campanha eleitoral, ele tem tratado de deixar cristalino para todos, com suas palavras e escolhas, que a defesa do meio ambiente e de um desenvolvimento sustentável não está em sua pauta de prioridades.
Muito pelo contrário, começando pelo ministro do Meio Ambiente, escolhido a dedo por ele, aparentemente para fazer tudo, menos proteger o meio ambiente. Desde que se sentou na cadeira, Ricardo Salles (Novo) só faz desmontar políticas e órgãos de fiscalização e proteção ambiental. Seguindo, é claro, os rumos ditados pelo chefe.
Afinal, se você é garimpeiro, minerador, pecuarista, produtor rural, madeireiro, ou simplesmente um cidadão brasileiro, que mensagem você extrai se o presidente do seu país, ainda em campanha, afirmou que, em seu governo, acabaria com todas as reservas indígenas do Brasil?
Que mensagem o presidente transmite quando põe em dúvida e em descrédito os dados meteorológicos do Inpe que atestam o crescimento alarmante do desmatamento na Amazônia, e leva o chefe do instituto a ser demitido?
Que mensagem o presidente transmite quando acusa “maus brasileiros” de divulgarem “números mentirosos”, tratando como inimigo do povo quem expõe dados reais preocupantes que deveriam levá-lo a agir?
Que mensagem o presidente transmite quando afirma que “o meio ambiente só importa aos veganos” e prepara projeto de lei para legalizar garimpos?
Que mensagem o presidente transmite quando a Noruega e a Alemanha ameaçam cortar recursos do Fundo Amazônia, ele dá de ombros e diz, praticamente, “que se dane, não precisamos deles”?
Que mensagem o presidente transmite quando defende a revogação do decreto que criou a reserva ecológica de Tamoios, em Angra dos Reis, para transformá-la na “Cancún brasileira”?
Que mensagem o presidente transmite quando, em uma de suas lives semanais, ataca o Ibama, ONGs e ameaça cortar uma diretoria da Funai? E quando, por exemplo, desautoriza ação do Ibama contra madeireiras?
Que mensagem o presidente transmite quando a nova direção do Ibama, nomeada por ele, exonera o servidor do órgão que o multou em 2012 por pesca irregular na Estação Ecológica de Tamoios, além de cancelar a sua multa?
Eu poderia ficar aqui mais dez minutos enumerando os exemplos.
Não sei de vocês, mas a mensagem, para mim, não parece “o meio ambiente é importante, vamos protegê-lo”. Está mais para “querem destruir? Vão em frente!”.
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Bolsonaro, como Lula, tem a língua presa. Passou da hora de prenderem a língua dele. Alguém, por favor, interdite a língua do presidente. Ou, talvez, o dono dela.
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