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Análise: Caldeirão do Huck é mistura de Lula com Paulo Guedes

Luciano está começando a pavimentar, de verdade, aquilo que preferiu adiar em 2018: sua possível candidatura à Presidência da República nas eleições de 2022. Para isso, calibra o discurso, um caldo com ingredientes de esquerda no social e de direita liberal na economia

Publicado em 14/08/2019 às 15h23
Atualizado em 24/08/2019 às 02h05
14-08-2019. Crédito: Amarildo
14-08-2019. Crédito: Amarildo

Luciano Huck está começando a pavimentar, de verdade, aquilo que preferiu adiar em 2018: sua possível candidatura à Presidência da República nas eleições de 2022. Foi com essa percepção clara que saiu quem ouviu o apresentador discursar para centenas de pessoas no auditório do Centro de Convenções de Vila Velha, na manhã desta quarta-feira (14).

Quem prepara candidatura tem que calibrar bem o discurso. Huck também está fazendo isso. E o que sai de dentro do seu caldeirão é um discurso curioso, uma inusitada mistura que leva três colheres de Lula com duas pitadas de Paulo Guedes.

Há, na fala de Huck, ingredientes comuns a líderes de centro-esquerda (marcadamente, a profunda preocupação social manifestada por ele) e outros muito mais característicos de liberais de direita, como a defesa de reformas econômicas e de um Estado mais eficiente. Na retórica do apresentador, convivem traços facilmente associáveis ao governo Bolsonaro (na economia) com outros muito mais identificados aos governos do PT. "O Estado tem que ser mais efetivo e mais afetivo com as questões sociais", resume ele.

Claro que é uma simplificação, mas arriscamos dizer que esse caldo retórico de Huck revela um virtual líder político com pensamento de esquerda no que toca às questões sociais, porém mais alinhado à direita em matérias econômicas. Em síntese, um social-democrata, situado entre o PSDB clássico e aquele PT que governou o país nos primeiros anos do governo Lula, com Palocci na Fazenda e antes do “nós contra eles”.

É isto: embora ainda muito tateante e superficial, o discurso de Huck é uma ponte entre o lulismo e o liberalismo de Guedes.

Na média, porém, há traços preponderantes de um político posicionado do centro para a esquerda.

UM QUÊ DE PAULO GUEDES

Por ser um empresário bem-sucedido, alguns poderiam ser levados a crer que Huck, na versão agente político, encamparia e se faria porta-voz de uma agenda 100% liberal, concentrada em temas como a redução do Estado e do intervencionismo estatal, a desburocratização do país, a simplificação tributária, o levantamento dos entraves para quem deseja empreender. Engana-se quem esperava isso. Huck não fala apenas para empresários e/ou liberais convictos.

Ele até, muito de passagem, chegou a criticar o “Estado elefante” e a defender “reformas” – de forma bem genérica, sem entrar em detalhes. No momento em que tramita no Congresso a “MP da Liberdade Econômica”, novo produto da fábrica de Guedes, Huck até fez menção muito elogiosa ao ministro da Economia de Bolsonaro, lembrando que Guedes foi o primeiro a bater à sua porta para encorajá-lo a se lançar candidato à Presidência. Huck refugou e Guedes foi, com os seus planos econômicos, montar um outro cavalo na corrida (o que acabou se sagrando vencedor).

IGUALDADE > LIBERDADE

Porém, no discurso de Huck, muito mais que “liberdade”, o que desponta é a palavra “igualdade”: de oportunidades, sobretudo. Para ele, não faz sentido algum falar-se em meritocracia no Brasil enquanto o Estado não provier igualdade de oportunidades para todos, a despeito de classe social, ou, nas palavras dele, “enquanto a escola do rico não for igual à do pobre”.

Com formulações como essa, o potencial candidato distancia-se de uma linha “liberal xiita” como aquela mantida por outros megaempresários e agentes do mercado – para citar um exemplo, o dono do grupo Riachuelo, Flávio Rocha, em pré-campanha à Presidência no ano passado pelo PRB, chegou a declarar que a desigualdade social não é um problema. Depois, como Huck, abortaria a candidatura.

Huck pensa o contrário. A linha mestra do seu discurso é justamente a crítica contundente a injustiças sociais e o alerta para o problema perene da desigualdade social no país, a qual ele diz ter verificado, pessoalmente, da Avenida das Américas – na Barra da Tijuca, onde, segundo ele, a caminho do Projac, vê diariamente uma “horda de meninos pedindo dinheiro nos semáforos” – até os mais remotos rincões do país já percorridos por ele em suas andanças para gravar os quadros do seu “Caldeirão”.

"FAVELA NÃO É PAISAGEM"

“Eu tenho o pulso do dia a dia. Eu estou na casa das pessoas. Eu fui ouvir, eu vi, eu ouvi. Esse país é desigual demais da conta”, atesta ele. Em sua peregrinação, como testemunha ocular da miséria em que vivem muitos brasileiros, Huck constatou o óbvio e compartilhou-o com a plateia, na mais aguda das poucas alfinetadas que desferiu em Bolsonaro:

“As pessoas passam fome. E ainda tem gente no Brasil que diz que ninguém passa fome no país. Não está vendo!”

Sim, é uma obviedade. Mas são tempos em que constatar o óbvio tem recobrado importância.

Frisando a todo instante que não é técnico, Huck encarou a plateia munido de poucos dados, mas deu um número eloquente: “Sete milhões de brasileiros estão vivendo com menos de R$ 2,00 por dia.” E chamou o público presente à responsabilidade, criticando “a elite do país” e incluindo a si mesmo e a plateia como parte dessa elite, portanto parte do problema da desigualdade social.

“A gente aqui faz parte do 1% da população brasileira que sempre foi acusada de não se preocupar com a desigualdade social no país… A nossa elite é muito passiva.”

UM QUÊ DE PETISMO

Para completar, sem citar em nenhum momento o governo Lula, Dilma ou o PT, Huck reconheceu os méritos de programas implementados pelas administrações petistas. Destacou, por exemplo, o “Luz para Todos”, "programas de inclusão social" e a universalização do ensino básico no país – iniciada por FHC e completada nos governos do PT. Ressaltou, porém, a necessidade premente de qualificar esse ensino.

O que aparece aí, como se vê, é um político de centro em formação: esquerda no aspecto social, direita soft no econômico.

PONTO FRACO: SIMPLISMOS

O ponto mais fraco do discurso de Huck é que ele se limita a fazer um diagnóstico dos problemas brasileiros – um diagnóstico quiçá correto, mas apenas superficial e, como dissemos acima, bastante óbvio. O apresentador passa longe, muito longe, de propor ou apresentar qualquer ideia para solucionar os problemas que enumera.

Espertamente, diante de uma plateia conquistada de antemão (ou desde a primeira piada feita para quebrar o gelo), Huck deu o tempo todo a si mesmo a licença para não se obrigar a dar explicações mais densas: “Não sou técnico. Sou apresentador”, afirmou diversas vezes. Mais de uma vez, caiu em simplismos grosseiros – sugeriu, por exemplo, que, se reformas forem feitas, “vai sobrar dinheiro” (como?!?).

Tudo bem, ele não estava ali para isso, e ainda não é o momento de Huck apresentar propostas concretas e soluções técnicas para o país.

Mas, em algum momento, ele será cobrado a apresentá-las, se não para o grande público (Bolsonaro não apresentou nenhuma na última eleição e levou), ao menos para os formadores de opinião, caso ele realmente venha a se candidatar.

Até lá, o dono do caldeirão segue botando a sua caravana na rua, percorrendo o país, transitando entre os ricos e os pobres.

E entre a direita e a esquerda.

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