Publicado em 26 de agosto de 2025 às 20:49
SÃO PAULO - O tempo em que Jair Bolsonaro (PL) ficar em prisão domiciliar não deve ser abatido de eventual condenação na trama golpista, uma vez que a medida cautelar foi aplicada em razão de processo diferente, avaliam especialistas ouvidos pela reportagem.>
O ex-presidente está com tornozeleira eletrônica desde o dia 18 de julho. No dia 4 de agosto, foi colocado em prisão domiciliar. Ambas as cautelares ocorrem na esfera de um inquérito que indiciou o político e um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), por possível coação e obstrução do julgamento da tentativa de golpe de Estado.>
Segundo especialistas, há previsão legal para que o tempo em prisão domiciliar possa ser abatido de uma condenação final, mas ela não deve valer no caso do ex-presidente por se tratarem de processos diferentes.>
Enquanto o inquérito sobre obstrução pode ou não virar ação penal, o processo que analisa se Jair Bolsonaro liderou a trama golpista de 2022 está em reta final, com julgamento marcado para 2 de setembro.>
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Se condenado, o ex-presidente pode pegar mais de 40 anos de prisão e aumentar a inelegibilidade que atualmente vai até 2030.>
A liberdade do político, porém, já está restrita em razão da prisão domiciliar do dia 4 de agosto. O ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), impôs a medida depois de concluir que Bolsonaro desrespeitou proibição anterior de usar as redes sociais, ainda que por intermédio de terceiros.>
Previstas no Código do Processo Penal, as medidas cautelares têm como objetivo assegurar o bom andamento da investigação e a aplicação da lei penal, além de evitar a prática de novas infrações.>
A lei prevê, dentre outras possibilidades, o monitoramento eletrônico, a proibição de manter contato com uma pessoa determinada e a prisão preventiva, considerada a mais gravosa.>
Já a prisão domiciliar é uma alternativa à prisão preventiva em regime fechado. Prevista no artigo 318 do Código do Processo Penal, ela pode ser aplicada à pessoa que cumpra as condições previstas, como ser maior de 80 anos ou estar extremamente debilitado por motivo de doença grave.>
Bolsonaro também está proibido de receber visitas, salvo de advogados e pessoas previamente autorizadas. Os visitantes não podem utilizar celular, tirar foto ou gravar imagens. Além disso, o político segue sem poder usar as redes sociais e não pode ter contato com embaixadores e outras autoridades estrangeiras, além de réus e investigados.>
De acordo com Telma Rocha Lisowski, professora de direito constitucional na Universidade Mackenzie Alphaville, o fato de a prisão domiciliar vir de processo diferente limita a possibilidade de o tempo sob a cautelar ser abatido em possível condenação na trama golpista.>
Ela diz que tanto o período em domiciliar quanto o tempo com tornozeleira poderiam em tese ser contados, mas apenas se estivessem no mesmo processo, o que não é o caso de Bolsonaro.>
"Existe entendimento do STJ [Superior Tribunal de Justiça] dizendo que, mesmo nesses casos em que há tornozeleira eletrônica e limitação da liberdade de ir e vir apenas em alguns momentos [período noturno e dias não úteis], o período deve ser computado na pena definitiva", explica.>
Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, também entende que o fato de a domiciliar vir de processo diferente gera a limitação.>
Ele explica que deduzir o tempo da prisão domiciliar na pena "visa a evitar que o réu cumpra mais tempo de prisão do que o devido, considerando o período em que já ficou privado de liberdade durante o processo".>
Entretanto, diz o especialista, "isso ocorre quando a prisão preventiva foi decretada no mesmo processo em que a pessoa foi condenada".>
Por isso, ele entende que o abatimento não seria possível no caso de Bolsonaro, mas ressalta haver jurisprudência do STJ dizendo que a prisão pode ser utilizada no abatimento de pena se for concomitante a outro processo.>
"No caso do Bolsonaro, a prisão é concomitante. Então esse tempo de prisão poderia ser usado para abater o tempo de pena. Mas não é o que a lei diz. É uma interpretação do STJ mais benéfica para o acusado.">
A interpretação sobre a impossibilidade do abatimento na situação do ex-presidente é compartilhada por Ricardo Yamin, doutor em direito pela PUC-SP, embora ele afirme que o tema é passível de discussão.>
"Entendo que não [pode ser abatido] porque Bolsonaro está em prisão domiciliar por outro crime, relacionado a obstrução de Justiça e coação no curso do processo", diz.>
Segundo Diego Nunes, professor de direito da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), o abatimento do tempo em prisão domiciliar seria possível para uma eventual condenação caso o inquérito que apura a coação e obstrução vire processo.>
"A prisão domiciliar equivale a outros tipos de prisão cautelar [como preventiva e temporária] e, portanto, serve para abatimento de eventual futura pena de condenação", afirma. Para Nunes, entretanto, o mesmo não valeria para o período apenas com tornozeleira.>
A previsão é que o julgamento da trama golpista termine ainda este ano, embora advogados de réus já tenham aventado a possibilidade de um pedido de vista passível de atrasar uma absolvição ou condenação.>
Um pedido de vista poderia prolongar as atuais medidas cautelares aplicadas a Bolsonaro, embora elas possam ser revogadas a qualquer tempo se a Justiça entender que não há mais razões que as justifiquem.>
Com isso, o ex-presidente ficaria mais tempo com restrição de liberdade, sem que provavelmente pudesse abater o tempo preso em casa em eventual condenação na ação que julga a tentativa de golpe.>
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