> >
Sobrevivente do massacre do Carandiru processa Governo de SP por tortura e danos morais

Sobrevivente do massacre do Carandiru processa Governo de SP por tortura e danos morais

"Enquanto essas feridas permanecerem abertas, o Brasil continuará falhando em cumprir seu compromisso com a democracia e com os direitos humanos", afirma Maurício, que requer indenização

Publicado em 2 de outubro de 2025 às 09:34

Sobrevivente do massacre, Mauricio Monteiro no Espaço Memória do Carandiru, local que reproduz uma cela com objetos originais recolhidos do antigo presídio
Sobrevivente do massacre, Mauricio Monteiro no Espaço Memória do Carandiru, local que reproduz uma cela com objetos originais recolhidos do antigo presídio Crédito: Eduardo Knapp/Folhapress

Exatos 33 anos depois do massacre do Carandiru, ocorrido no dia 2 de outubro de 1992, quando 111 presos foram mortos pela polícia durante uma rebelião, o sobrevivente Maurício Monteiro protocola nesta quinta (2) uma ação contra o Governo do Estado de São Paulo pedindo indenização por tortura e danos morais. A defesa do educador e ativista, realizada pelo Centro de Assistência Jurídica Saracura (Caju) da Faculdade de Direito da FGV, sustenta que o massacre configurou execuções sumárias, tortura física e psicológica e ocultação de provas.

Esta é a segunda vez que um sobrevivente processa o governo paulista. Na primeira, em 2016, o Tribunal de Justiça de São Paulo negou a ação de Emilio Marques Silva Filho, por prescrição do prazo. Agora, a defesa de Monteiro vai alegar que ele sofreu torturas física e psicológica por presenciar execuções sumárias, ser submetido a agressões no chamado "corredor polonês" e ser forçado a limpar o sangue dos companheiros mortos no dia seguinte.

"A tese de agora é que quem estava no massacre sofreu dano moral e passou por situação que pode ser caracterizada como tortura. E tortura não prescreve, como houve entendimento do STJ (Superior Tribunal de Justiça)", diz Maria Cecília de Araújo Asperti, professora da Escola de Direito da FGV e membro do Caju. Segundo o direito internacional e a jurisprudência consolidada do STJ, tortura é violação de direitos humanos, o que torna imprescritível a reparação das vítimas. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos já havia considerado o Brasil responsável, em 2000, por violar o direito à vida, à integridade pessoal e às garantias judiciais, recomendando indenização às vítimas e familiares.

"Enquanto essas feridas permanecerem abertas, o Brasil continuará falhando em cumprir seu compromisso com a democracia e com os direitos humanos", afirma Maurício Monteiro, que atualmente é diretor do Instituto Resgata Cidadão, educador e palestrante, desenvolvendo atividades de memória no parque da Juventude, espaço construído no terreno do antigo presídio. Ele também mantém o canal "Prisioneiro 84.901" no YouTube, onde compartilha relatos de sobreviventes e discute políticas públicas para o sistema prisional.

Para os membros e advogados do Caju, não se trata apenas de um pedido de compensação financeira, mas de uma demanda por justiça, dignidade e reconhecimento histórico: "É o reconhecimento de que o Estado brasileiro tem o dever de reparar aqueles que foram submetidos à violência mais brutal dentro de uma prisão, sob sua custódia".

De acordo com o inquérito oficial, foram disparados mais de 3.500 tiros em menos de 30 minutos, sendo 60% deles direcionados a regiões letais como cabeça, tórax e costas. Laudos do Instituto Médico Legal e relatórios da Anistia Internacional informam que diversas vítimas foram mortas em suas celas ou rendidas, em condições que caracterizam execução.

Três décadas após o massacre, em 2022, houve o trânsito em julgado da condenação criminal de 74 policiais militares por homicídio doloso, quando há intenção de matar. Eles pegaram penas entre 48 e 624 anos, referentes a 77 assassinatos com armas de fogo. No fim daquele ano, porém, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu indulto de Natal perdoando todos eles. Em agosto de 2024, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo considerou constitucional o indulto de Bolsonaro, extinguindo as penas dos 74 policiais.

Enquanto isso, segundo a FGV Direito SP, a maior parte das famílias e sobreviventes segue sem qualquer reparação. O levantamento mostra que, entre as 69 ações indenizatórias julgadas procedentes, apenas 25 resultaram em pagamento integral.

Os sobreviventes e seus familiares têm se organizado como sociedade civil em torno de coletivos como a "Primeira Frente de Sobreviventes do Cárcere" e o "Memórias Carandiru". Com isso, os grupos têm conseguido mobilizar a atuação dos Núcleos Especializados de Cidadania e Direitos Humanos e de Situação Carcerária da Defensoria Pública de São Paulo na busca pelo cumprimento das medidas de reparação pelo Estado.

Para marcar a data, a Defensoria Pública vai organizar uma série de palestras no auditório da Etec de Artes, no Parque da Juventude, a partir das 14h desta quinta, com a presença da ministra dos Direitos Humanos e Cidadania, Macaé Evaristo.

Este vídeo pode te interessar

  • Viu algum erro?
  • Fale com a redação

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais