Publicado em 12 de março de 2021 às 11:13
- Atualizado há 5 anos
Com a inesperada decisão do ministro Edson Fachin, do STF (Supremo Tribunal Federal), na segunda-feira (08), que anulou as condenações do ex-presidente Lula na Lava Jato, ganhou nova força o debate sobre a insegurança jurídica que pode ser gerada por esse tipo de medida. >
Especialistas do direito, da ciência política e da economia ouvidos pela reportagem têm análises distintas sobre a questão. Há desde aqueles que veem nas mudanças de entendimento do STF efeitos negativos para a segurança jurídica no país até aqueles que consideram que elas são consequência de um sistema de Justiça que permite recursos e o amadurecimento de determinadas interpretações.>
A diretora de operações da organização Transparência Brasil, Juliana Sakai, considera que as mudanças constantes são negativas e geram percepção de impunidade, além de desperdício de recursos públicos com investigações que acabam sendo em parte ou inteiramente descartadas.>
"Do ponto de vista do combate à corrupção, tem uma série de decisões que vão sendo alteradas ao longo dos anos e que dão impressão para a população de que o entendimento é tomado de acordo com o réu e com o contexto em que a gente está. Ou seja, não tem uma imparcialidade e não tem isonomia", afirmou.>
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"No caso do Fachin, o que está se discutindo não é a questão da suspeição, mas da competência do Moro. E isso já foi discutido antes. O que mudou em relação à competência para as decisões anteriores, qual o argumento novo?", questiona ela.>
Em sua decisão, Fachin determinou que a Justiça Federal em Curitiba não deveria ser a responsável pelos processos envolvendo Lula com o argumento de que os delitos imputados ao ex-presidente não correspondem a atos que envolveram diretamente a Petrobras. Chamou atenção que a decisão tenha sido dada apenas neste momento, pois a defesa de Lula vem fazendo esse questionamento há anos.>
No entanto, o ministro argumentou que, em habeas corpus de novembro de 2020, foi a primeira vez que a defesa de Lula apresentou um pedido que reunia "condições processuais de ser examinado, diante do aprofundamento e aperfeiçoamento da matéria pelo STF".>
Como consequência da decisão, as condenações que retiravam os direitos políticos de Lula não têm mais efeito e ele voltou a ser elegível para a próxima eleição presidencial, em 2022.>
Para Irapuã Santana, doutor em direito processual pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), a decisão de Fachin é bem fundamentada e bem construída, mas ele se questiona o porquê de ela ter sido dada só agora.>
"Depois de tanto tempo, está mandando voltar tudo. Isso não é segurança jurídica, na verdade, é o contrário da segurança jurídica. É importante, para a gente ter um sistema jurídico eficaz e eficiente, é preciso haver esse sistema de previsibilidade.">
"Está aí um dos problemas externos da decisão, porque ela mesma fala que o Supremo vai construindo a competência da Lava Jato, de acordo com o tempo. Isso é muito complicado, porque a competência, que é a designação do juiz natural, ela tem que ser prévia", disse Santana.>
Outra parcela de entrevistados vê decisões como a de Fachin como algo esperado de um sistema de Justiça que permite recursos e, em linhas gerais, apontam também que mudanças no contexto e o surgimento de novas evidências são alguns dos elementos que podem contribuir para que magistrados alterem seus posicionamentos.>
Uma delas é a professora Vera Karam, da UFPR (Universidade Federal do Paraná), que não vê esse tipo de mudanças de decisão como geradoras de insegurança jurídica. Para ela, é razoável que elas ocorram com o decorrer do tempo. "Do meu ponto de vista, os juízes podem mudar de opinião, argumentos que, para eles faziam sentido, podem não fazer mais.">
Ela argumenta que o Judiciário não age por iniciativa própria e que, apenas diante de um habeas corpus da defesa de Lula que tinha elementos suficientes para declarar a incompetência, isso teria sido feito.>
"Há insegurança jurídica quando não se respeitam os princípios constitucionais, sobretudo o do devido processo legal, que foi a meu ver o que, desde o início, o ex-juiz Sergio Moro não respeitou.">
Para Nara Pavão, professora de ciência política da UFPE e que tem como uma de suas linhas de pesquisa o impacto da Lava Jato na opinião pública, o tipo de mensagem que a decisão de Fachin transmite para a sociedade não é uniforme, e as decisões podem ter efeitos muito distintos na opinião pública.>
Há tanto aqueles que vão interpretar como um reforço da ideia de impunidade quanto os que interpretarão como uma correção de desvios da Lava Jato e com a ideia de eficácia do sistema judicial. "O STF, como outras instituições judiciais, é visto de forma altamente politizada pela população.">
Para Luciana Gross, professora da FGV Direito SP, o que se vê agora em relação a mudanças de posição da corte não é um ponto fora da curva. "Seguir os precedentes nunca foi uma questão central nas decisões do Supremo e dos tribunais de uma forma geral no Brasil", diz ela.>
Luciana destaca a discussão sobre a prisão em segunda instância, tema sobre o qual o tribunal mudou de posição mais de uma vez.>
"A questão é que a Lava Jato foi importante politicamente, porque teve como alvo principal o ambiente político. E a gente, cada vez mais, tem consciência de que ela foi fundamental na definição das eleições de 2018 para a Presidência da República. E, naquele momento, sob a chancela do STF. O STF, por mais que puxasse a orelha da turma de Curitiba e principalmente do ex-juiz Sergio Moro, chancelava os seus atos.">
Outra decisão que gerou questionamentos, esta do STJ (Superior Tribunal de Justiça), foi a invalidação de provas no caso das "rachadinhas". O tribunal entendeu, em recurso do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), que os pedidos de quebra de sigilo não tinham sido fundamentados.>
A decisão colocou em risco a cadeia de provas utilizada pelos procuradores do Ministério Público do Rio de Janeiro para acusar o senador.>
Para Antonio Ramires Santoro, professor de direito processual penal da UFRJ, a decisão foi tecnicamente correta. "Eu só lamento que o mesmo rigor que o STJ utilizou para, digamos assim, cobrar que o juiz tivesse uma argumentação mais aprofundada no caso do Flávio não seja uma constante no STJ", afirmou ele. "Mas isso não é suficiente para dizer que há uma blindagem.">
Já o procurador de Justiça em São Paulo Roberto Livianu, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, considera que a decisão foi ruim.>
"Não existe em nenhum lugar do nosso ordenamento uma especificação sobre a extensão necessária de decisões judiciais. O que existe é a imposição no sentido de que as decisões devem ser fundamentadas. Você pode ter uma fundamentação de uma decisão em duas linhas.">
Para ele, há uma sensação de que as decisões de parte dos magistrados mudam a depender de quem é julgado. "Se você me perguntar: 'esse desfecho tem relação com o fato de que o acusado é o filho do presidente da República?' Na minha opinião, sim.">
Livianu vê riscos também em iniciativas do Legislativo, como o projeto altera a lei de improbidade administrativa, vista por ele como a principal lei de defesa do patrimônio público. "Essas pretensões vão no sentido de instituir a impunidade na lei.">
Do ponto de vista de economistas, as mudanças de posicionamentos dos tribunais acabam trazendo consequências para o economia também.>
"A insegurança jurídica é uma parte fundamental do funcionamento do mercado. Ele funciona bem se as regras são claras", afirma o professor de economia da USP Simão Silber. "Isso traz custos adicionais para a economia, porque você não tem regras estáveis, vai depender da cabeça do juiz.">
Marcos Lisboa, presidente do Insper, concorda. "O maior problema não é o problema da lei, mas as mudanças na interpretação da lei, que ficam oscilando de uma visão para outra com muita frequência.">
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