Publicado em 18 de setembro de 2023 às 19:20
A criação pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de uma política de alternância de gênero no preenchimento de vagas para a segunda instância do Judiciário tem enfrentado resistência de tribunais do país.>
A discussão foi pautada para a manhã desta terça-feira (19) pela ministra Rosa Weber, presidente do CNJ e do Supremo Tribunal Federal (STF), às vésperas da sua aposentadoria.>
O ato normativo que será votado estabelece alternância entre mulheres e homens, conforme a abertura de vagas para magistrados de carreira por critério de antiguidade e merecimento.>
Alterações já foram feitas para superar a resistência de uma parcela dos magistrados. Se aprovado, o texto passa a valer em janeiro de 2024, e a primeira vaga aberta deverá ser preenchida pelo magistrado de gênero distinto do último promovido. A regra será mantida até que cada tribunal alcance a proporção entre 40% e 60% por gênero.>
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Conselheiros do CNJ consultados pela reportagem dizem que o assunto é sensível e há possibilidade de um pedido de vista (mais tempo para análise), o que suspenderia o julgamento.>
Um deles aponta que a antiguidade é uma garantia constitucional dos magistrados e seria mais difícil modificá-la. No entanto, afirma ser possível fazer avanços em relação a promoções por merecimento.>
O conselheiro diz, ainda, que um pedido de vista pode ajudar a amadurecer essa ideia e fazer os ajustes necessários no texto.>
Outro conselheiro afirma que a votação pode acontecer até, no máximo, na outra terça-feira (26) porque Rosa Weber tem feito apelos para que o tema seja votado.>
No dia 28, o ministro Luís Roberto Barroso assume as vagas de Rosa tanto como presidente do Supremo quanto do CNJ. Ela deve renunciar aos cargos antes desta data e se aposentar no início de outubro.>
Medidas para tentar ampliar a representatividade no Judiciário vêm sendo discutidas desde a gestão da ministra Cármen Lúcia. Em 2018, quando presidia o CNJ, foi aprovada uma resolução instituindo a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário.>
Apesar disso, especialistas afirmam que as mulheres seguem enfrentando mais barreiras para serem promovidas na carreira.>
Dados do relatório Justiça em Números, do CNJ, referentes a 2022 apontam que as mulheres são 38% dos mais de 18 mil magistrados do país. Enquanto no primeiro grau elas chegam a 40%, na segunda instância o percentual fica em 25%.>
O levantamento mostrou que havia 13 tribunais no país sem desembargadoras e ministras mulheres.>
Era o caso dos TJs de Rondônia e do Amapá, do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 24º Região, dos tribunais da Justiça Militar de São Paulo e Minas Gerais e dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) de São Paulo, Minas Gerais, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Ceará, Santa Catarina e Rondônia.>
Neste ano, o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que também integrava a lista, promoveu pela primeira vez uma magistrada.>
A mudança da regra de antiguidade é o principal foco de resistência entre os magistrados. Defensores da alteração afirmam que, embora o critério pareça objetivo, ele desconsidera uma série de problemas, como vieses em bancas examinadoras.>
Em 2021, o CNJ proibiu a realização de entrevistas reservadas em concursos da magistratura, etapa na qual mulheres com frequência eram questionadas sobre como cuidariam dos filhos, se tinham família ou se eram ou não casadas.>
No final de agosto o tema voltou a ser debatido durante um seminário promovido pelo CNJ, com magistradas de todo o país. Para manter a mobilização e fomentar novas ações, elas criaram o Movimento Nacional pela Paridade no Judiciário.>
"Existe uma naturalização de qualquer colegiado formado exclusivamente por homens e nós precisamos problematizar isso. Já não é mais natural que as mulheres e que as pessoas negras e que as minorias não ocupem esses espaços de poder", afirma a juíza do Rio Grande do Sul Josiane Caleffi Estivalet, integrante do movimento.>
Um parecer favorável à criação da regra foi apresentado pelo professor de direito constitucional da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Daniel Sarmento. Ele defendeu a constitucionalidade da medida e a competência do CNJ para decidir sobre o tema.>
"Ter um tribunal com uma composição plural, inclusive na perspectiva de gênero, é importante porque você vai ter visões de mundo diferentes. A tendência é que as decisões sejam melhores", diz.>
A Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) afirmou ainda não ter posição porque a minuta não foi encaminhada oficialmente. A Ajufe (Associação dos Juízes Federais do Brasil) e a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) ainda não se posicionaram. Após o seminário do CNJ, as três entidades emitiram nota em defesa da diversidade nas cortes.>
O Consepre, conselho que reúne os presidentes dos 27 tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, é o principal opositor, como mostrou na Folha de S.Paulo o blog do jornalista Frederico Vasconcelos.>
Em nota técnica, a entidade pediu para que o tema seja retirado de pauta e diz que a modificação deveria ser feita por meio de lei formal e está fora do âmbito normativo do CNJ.>
"Apesar da importância da matéria, o CNJ não tem competência para inovar, dessa monta, o modelo de critério de promoção", diz o Consepre, que afirma que na Constituição há "silêncio eloquente acerca dos critérios de gênero para a análise da antiguidade e merecimento".>
A nota da entidade monta a base para que o caso seja levado ao STF, caso o CNJ decida modificar as regras.>
O TJ-SP também se posicionou contra e pediu o adiamento na votação. Dos desembargadores do tribunal, 90% são homens, segundo relatório do CNJ.>
A advogada e subprocuradora-geral da República aposentada Deborah Duprah afirma que a questão da competência já foi superada pelo Supremo em 2008, no julgamento sobre a regra do CNJ contra nepotismo nos tribunais.>
"O CNJ veio justamente dar uniformidade à organização judiciária. A grande inovação da Constituição de 88 é que ela não se conforma mais com a igualdade formal, tem que ser material. Não é possível que instituições como o Judiciário tenham uma composição que representa um único segmento populacional", diz ela, para quem a reação à regra é desproporcional.>
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