Publicado em 17 de julho de 2022 às 18:12
SÃO PAULO - Após receber críticas de familiares de Marcelo Arruda e dirigentes de partidos de esquerda, a Polícia Civil do Paraná divulgou uma nota neste domingo (17) justificando porque o assassinato do petista não foi enquadrado como crime político. >
Segundo o texto do órgão, não há nenhuma qualificadora específica para motivação política prevista em lei, "portanto isto é inaplicável".>
"Também não há previsão legal para o enquadramento como 'crime político', visto que a antiga Lei de Segurança Nacional foi revogada pela nova Lei de Crimes contra o Estado Democrático de Direito, que não possui qualquer tipo penal aplicável.">
O guarda municipal Marcelo Arruda foi assassinado durante uma festa com temática do PT, no sábado (9). Um policial penal bolsonarista invadiu a sua festa de aniversário de 50 anos e atirou no militante petista. O caso ocorreu na cidade de Foz do Iguaçu (PR).>
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Durante a ação, o petista reagiu e efetuou disparos contra seu agressor, identificado como Jorge José da Rocha Guaranho. O atirador permanece internado em estado grave, mas estável.>
Segundo os relatos à polícia, Jorge passou de carro em frente ao salão de festas dizendo "aqui é Bolsonaro" e "Lula ladrão", além de proferir xingamentos. Ele saiu após uma rápida discussão e disse que retornaria.>
De acordo com as testemunhas, Marcelo então foi ao seu carro e pegou uma arma para se defender. Jorge de fato retornou, invadiu o salão de festas e atirou em Marcelo.>
Na sexta-feira (15), a Polícia Civil do Paraná anunciou a conclusão do inquérito que investigou em menos de uma semana o caso.>
De acordo com a polícia, o crime teve motivo torpe e, tecnicamente, não será enquadrado como crime de ódio, político ou contra o Estado democrático de Direito, por falta de elementos para isso.>
Na nota divulgada nesse domingo, a Polícia Civil do Paraná justifica que o inquérito policial da morte do guarda municipal foi concluído com o autor sendo indiciado por homicídio qualificado por motivo torpe e perigo comum.>
"A qualificação por motivo torpe indica que a motivação é imoral, vergonhosa. A pena aplicável pode chegar a 30 anos", diz o texto. "Portanto, o indiciamento, além de estar correto, é o mais severo capaz de ser aplicado ao caso".>
A polícia afirma ainda ser uma instituição de Estado e com atuação pautada "exclusivamente na técnica. Opiniões ou manifestações políticas estão fora de suas atribuições expressas na Constituição Federal".>
Especialistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, afirmam que não há na legislação brasileira tipos penais específicos de crime de ódio com motivação política e nem de crime político de matar adversário partidário ou ideológico.>
Mas o caráter político pode ser considerado motivo torpe ou fútil do homicídio e elevar a pena de prisão ao máximo previsto na legislação brasileira, que é de 30 anos.>
Eles apontam ainda que a motivação política de um delito é diferente de um crime político - que poderia ser aplicável no caso de violações contra o Estado democrático de Direito.>
A advogada criminalista Ana Carolina Moreira Santos explica que o conceito de motivo torpe está mais ligado a condutas imorais, e o de motivo fútil se aproxima mais da ideia de banalidade, insignificância e desproporção entre o crime e a causa.>
Ambas situações qualificadoras estão previstas no artigo 121 do Código Penal.>
A pena do homicídio simples vai de 6 a 20 anos de prisão, mas, se praticado com motivo torpe, como no caso do bolsonarista em Foz do Iguaçu, a punição sobe para 12 a 30 anos.>
Em geral, crimes de ódio são entendidos como aqueles que envolvem a aversão a determinados grupos e segmentos da população. Não existe na legislação brasileira, contudo, a previsão específica de crime de ódio. Assim, não há um tipo penal expresso denominado crime de ódio com motivação política. >
"Apesar da ausência desse rótulo específico, há normas no direito brasileiro que se enquadram ou podem incidir nesses casos", explica o advogado criminalista Vinícius Assumpção.>
Ele aponta que o homicídio praticado com base em ódio a determinado grupo político pode ser considerado como crime qualificado. Isso porque, neste caso, o ódio político seria considerado como motivo fútil ou torpe.>
A família de Marcelo se pronunciou por meio de seu advogado, Ian Vargas. Ele disse que eles aguardam o resultado das demais investigações em andamento, como a perícia no celular de Jorge.>
Segundo o representante dos familiares, tanto nos relatos das vítimas quanto das testemunhas houve a intolerância política, que resultou na violência contra Marcelo.>
"Ele [Jorge Guaranho] era uma pessoa estranha, não era convidado [da festa], não trabalhava lá, invadiu o local e cometeu o crime brutal", diz Vargas.>
A celeridade dos trabalhos e a falta de enquadramento como crime político foram alvos das críticas de outros aliados do ex-presidente Lula.>
A presidente nacional do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PR), afirmou por sua vez que a conclusão das autoridades paranaenses é "açodada e contraditória aos fatos" e que ela significa "mais um incentivo aos crimes de ódio e à violência política comandadas por Bolsonaro".>
O deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG), líder da bancada do partido na Câmara, afirmou à Folha que a conclusão da polícia "não contribui para a pacificação das eleições no Brasil". "O inquérito nega a verdade e ajudará aumentar a escalada da violência incentivada pelo Bolsonaro", disse ele.>
O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), importante peça na campanha presidencial de Lula, afirmou que a polícia tenta minimizar o caso.>
"A Polícia Civil do Paraná concluiu que não foi crime político porque não impediu ninguém de exercer seus direitos. Fica difícil Marcelo exercer esses direitos estando morto, não? Negar a natureza de crime de ódio ao caso é uma tentativa covarde de apagar essa tragédia!", escreveu nas redes sociais.>
Em nota, o PT do Paraná afirmou que o "encerramento apressado das investigações" é uma ofensa à família de Marcelo, além de um "prognóstico preocupante de conivência das autoridades com os futuros episódios de violência que ameaçam as eleições deste ano".>
O senador Fabiano Contarato (PT-ES) foi na mesma linha.>
"Um atípico inquérito a jato, para uma conclusão estapafúrdia, que confronta fatos e evidências visíveis a olho nu. É lamentável que um delegado se preste a fazer o jogo bolsonarista, em detrimento de seus deveres", escreveu.>
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