Publicado em 8 de setembro de 2021 às 09:32
"Ih, tem que virar à esquerda", brinca um dos integrantes da comitiva que acelera o passo rumo à avenida Paulista, àquela altura já tomada por milhares de manifestantes. >
O grupo capitaneado pelo pastor Silas Malafaia e sua esposa, a pastora Elizete, acabou seguindo aquele caminho para chegar ao Demolidor, trio elétrico que concentrou os principais discursos do ato bolsonarista de 7 de Setembro em São Paulo. >
Recalcular a rota foi fundamental para que alguns dos líderes evangélicos com maior expressão nacional pudessem marchar com todos os presidentes eleitos desde a redemocratização: Fernando Collor, FHC, Lula, Dilma e, agora, Bolsonaro. >
Parlamentares com quilometragem para ver um mesmo pastor modular seu discurso ao sabor do governante da vez apontam que a pecha do fisiologismo já escoltava a primeira bancada evangélica do Congresso, na Constituinte de 1987-1988. >
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Quando essa cúpula pastoral escuda o atual mandatário em sua sanha contra o STF (Supremo Tribunal Federal), aproxima-se do ponto de não retorno --quando não há pirueta retórica que dê conta de uma reconciliação com forças de esquerda e centro-esquerda, caso elas saiam vitoriosas das eleições de 2022. >
O ex-presidente Lula (PT) não fala sobre isso publicamente, mas gostaria de reconstruir pontes com pastores que já o apoiaram e têm uma ascendência considerável sobre um segmento tão pulverizado quanto o evangélico, com suas milhares de igrejas espraiadas pelo país. >
Na falta de uma hierarquia vertical que sirva de ordem de comando, muitos pastores de pequeno e médio porte veem nesses líderes graúdos uma referência intelectual e espiritual. >
Vencer uma eleição, como o provável presidenciável petista certamente quer em 2022, será uma missão mais ingrata se nenhuma das grandes lideranças religiosas que fecharam com Bolsonaro em 2018 voltar atrás. >
Com o Brasil metido numa Guernica ideológica, hoje parece até fake news dizer que Malafaia já apareceu na propaganda eleitoral de Lula, ou que o deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP) tratou Lula, então de saída do Planalto, como uma figura "messiânica" que "desperta a esperança no coração do povo". >
A marcha à ré para justificar a adesão ao bolsonarismo é replicada por todos: os pastores se dizem enganados pelo PT, que teria se esborrachado com eles não só por se revelar corrupto, mas também por intensificar a defesa de pautas identitárias -espinho eleitoral menos sobressalente nos anos Lula, mas que ganhou tração na última década. >
Feliciano estava no grupo que partiu de um hotel na alameda Santos, paralela à Paulista, até o trio onde Bolsonaro discursaria três horas depois. >
O ex-senador Magno Malta (PL-ES), que aos poucos volta a orbitar o círculo presidencial após uma temporada na geladeira, era outro. Estampada no verso de sua camisa, a frase "segundo o Datafolha, eu não estou aqui" reproduz a ideia de que institutos de pesquisa mentem sobre a quantidade de pessoas dispostas a sair nas ruas por Bolsonaro. >
Os pastores abraçaram a versão dos organizadores de que milhões se aglomeraram na Paulista. O governo de São Paulo, liderado pelo desafeto João Doria (PSDB), estimou o público em 125 mil. >
Para uma multidão espremida à espera de Bolsonaro, os religiosos apelaram aos valores cristãos, velha fórmula bolsonarista, em mais de uma oportunidade. No microfone, o apóstolo Estevam Hernandes, que idealizou a Marcha para Jesus 28 anos atrás, comparou o presidente a Jesus Cristo. >
Hernandes lembrou da passagem bíblica que narra como Pôncio Pilatos lavou suas mãos quando o povo preferiu liberar o bandido Barrabás e crucificar Cristo. "Hoje é uma decisão importante", e é preciso "escolher o lado certo", segundo ele. Uma escolha fácil. >
O mesmo apóstolo disse à Folha de S.Paulo, em julho, que "estamos vivendo a república do ódio, e aí fica muito complicado falar sobre tolerância". Seria um salvo-conduto para Bolsonaro reagir com pulso a quem, ao seu ver, é injusto com o presidente. >
Ainda há chão para 2022, claro. Lula já conseguiu um retrato com Manoel Ferreira, bispo primaz do Ministério Madureira, um dos ramos mais poderosos da Assembleia de Deus. >
Tudo bem que falta combinar com os filhos do quase nonagenário Manoel, sobretudo Samuel, o líder de fato da denominação hoje. Mas já é um começo. >
Petistas também nutrem esperança de voltar às boas com a Igreja Universal do Reino de Deus, que já deu sinais de insatisfação com o atual governo, que para ela não se empenha o bastante para reverter a crise que envolve suas filiais em Angola e autoridades locais. >
Há os que lembram, ainda, que romper com o governo da rodada não é vantajoso para muitas igrejas, que têm interesse em ver suas pautas andarem em Brasília, como a imunidade tributária para templos. >
Sempre há um jeitinho para reconfigurar o GPS eleitoral. Mas a decisão de sair na foto, num ato que desde o começo foi tratado como termômetro histórico para o bolsonarismo, mostra que parte considerável da elite pastoral brasileira, assim como o presidente, também partiu para o tudo ou nada.>
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