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O X da Questão: a importância da reforma política

O X da Questão: a importância da reforma política

Convidamos dois cientistas políticos para debater o tema que tem sido bandeira de diversos setores da sociedade, como forma de enfrentar a corrupção

Publicado em 14 de setembro de 2018 às 22:52

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Os cientistas políticos Leandro Consentino e Juliano Domingues. (Divulgação)

Em uma época em que escândalos de corrupção envolvendo governantes e parlamentares não saem dos noticiários, a reforma política voltou a ser intensamente debatida. No ano passado, algumas medidas foram criadas para sanar algumas distorções e resolver problemas de representatividade, como o fim do financiamento empresarial e a chamada barreira de desempenho, que restringe a atuação e o funcionamento de partidos políticos que não obtiverem determinada porcentagem de votos para o Congresso. No entanto, o próprio sistema eleitoral brasileiro continua sob debate. Existe um modelo ideal? Nesta sexta edição da seção “O X da Questão”, convidamos dois cientistas políticos para discutir os principais pontos que deveriam ser revistos em uma reforma política mais ampla, Leandro Consentino e Juliano Domingues. Ambos concordam que é preciso rever alguns aspectos, como a pulverização partidária – que abre campo para o fisiologismo e atravanca a governabilidade. Mas eles também são unânimes em afirmar que de nada adiantarão alterações no sistema eleitoral e no financiamento de campanha se não houver maior participação política dos brasileiros. Às vésperas das eleições gerais, esse é um importante alerta.

Os entrevistados:

Leandro Consentino é doutor em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, é professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper) e da Fundação Santo André, além de professor visitante de Política Internacional no Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP)

Juliano Domingues é doutor em Ciência Política, é Fulbright Scholar na Tulane University (EUA) e professor da Universidade Católica de Pernambuco. Foi visiting scholar do Ray C. Bliss Institute of Applied Politics (The University of Akron, Ohio, USA), onde atuou como observador internacional das eleições 2016 nos EUA

A entrevista

A corrupção é um dos temas mais discutidos no país atualmente, e há tanto clamor por um reforma política ampla. O que seria necessário mudar e por que essa reforma nunca acontece de fato?

LEANDRO CONSENTINO: O tema da reforma política é amplo e sempre aparece como a panaceia de nossos problemas com a política. É importante ter presente que ele normalmente se vincula a uma discussão sobre mudança do sistema eleitoral, a qual não é, de longe, o maior de nossos problemas. O que é preciso realmente mudar é nossa relação com a política, pressupondo uma educação para a política e a cidadania e o estímulo à participação em organizações sociais e políticas, das quais estamos cada vez mais afastados. Certamente, essa educação para a política e essa participação da sociedade não interessa àqueles políticos que defendem o status quo, o que inviabiliza qualquer mudança nesse sentido.

JULIANO DOMINGUES: A corrupção, da forma como se apresenta no Brasil, é resultado de um conjunto de fatores. Seria reducionismo associá-la unicamente ao sistema político-eleitoral. Uma reforma política, por si só, não tem a capacidade de pôr fim à corrupção. Há todo um legado histórico e cultural que não se transforma do dia para a noite. O nosso sistema de representação proporcional de lista aberta e baseado em distritos de grande magnitude acabou por incentivar um cenário altamente fragmentado em termos de representação. Esse modelo também contribuiu para o personalismo em detrimento do fortalecimento dos partidos, além de comprometer o processo de fiscalização e de prestação de contas. Entretanto, o grau de incerteza quanto às consequências da implementação de novas regras é imenso. O nosso fosso é tão profundo, que não seria mau negócio arriscar. O problema é que aqueles que se beneficiam desse modelo têm poucos incentivos para levar mudanças significas adiante.

No ano passado, a minirreforma criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. É o modelo ideal? Já é possível fazer uma análise sobre os impactos?

LEANDRO CONSENTINO: A democracia tem seus custos, mas modelo ideal de financiamento não existe. O que podemos avaliar desde já é que a criação desse fundo fez com que os políticos aprovassem o aumento significativo de recursos para esse fim, o que não parece razoável em um momento de aperto fiscal. Ademais, o fato de a maioria dos recursos serem públicos, sujeitos à dotação de cada partido, cria um sistema que favorece sobremaneira os partidos que já são fortes, em detrimento de partidos menores, por exemplo, os ideológicos, que busquem questionar os maiores.

JULIANO DOMINGUES: As mudanças criaram condições para que tudo permanecesse do mesmo jeito. Em linhas gerais, as regras favoreceram os candidatos já conhecidos, especialmente os que já possuem mandatos. Por isso, a expectativa de renovação de quadros é baixa. Se serve de consolo, vale lembrar que uma renovação de quadros não necessariamente é algo bom. Pode ser que se mude para pior. Somente ao fim da eleição será possível fazer um balanço apropriado.

Acredita que o fim do financiamento empresarial foi uma medida eficiente? Nesta campanha já há registro de empresários ligados a grandes marcas realizando doações...

LEANDRO CONSENTINO: O fim do financiamento empresarial precisa ser repensado. Havia setores que clamavam por isso, ignorando – ou fingindo ignorar – o fato de que dois problemas se colocam. Um primeiro, já observado, é que agora os recursos virão do erário público, em plena crise fiscal. Um segundo ponto é a dificuldade de rastrear os recursos que podem vir, por exemplo, por meio de laranjas, a fim de mascarar as doações das empresas. Nesse sentido, se a eficiência do fim do financiamento empresarial for medida por buscar minimizar essa influência, não me parece que seja o caso de chamar esse modelo de eficiente.

JULIANO DOMINGUES: Sem dúvida, é um condicionante necessário para reduzir a influência econômica sobre o processo eleitoral. Mas a medida, por si só, não é suficiente para eliminar essa influência. Ela sempre existirá. Faz parte do jogo. É legítimo que empresários exerçam seu poder de pressão da mesma forma que movimentos sociais, por outro lado, estabeleçam relações de contrapoder nessa arena. O que se espera é que haja uma igualdade maior entre os diferentes grupos de interesse em termos de oportunidade de acesso aos mecanismos de pressão e influência.

Há propostas em tramitação para alterar o sistema eleitoral brasileiro, eliminando distorções e tornando-o mais representativo. Há um modelo mais indicado? O distritão é uma boa saída? Como avalia o distrital misto?

LEANDRO CONSENTINO: Cada sistema eleitoral traz consigo problemas e soluções, sendo esse o caso de nosso modelo atual, proporcional de lista aberta. No caso do modelo distrital misto, teria o condão de aproximar o representante do representado, mas teria uma dificuldade de compreensão do modelo, bem como a possibilidade de excluir determinados votos (o que se agrava com o distritão), ignorando a proporcionalidade das ideias na sociedade. Ademais, pode criar determinados feudos políticos, invocando a questão de quem seria o responsável por desenhar os distritos.

JULIANO DOMINGUES: Sempre dependerá do ponto de vista. Se pensarmos a partir da perspectiva do eleitor, o distritão parece ser uma péssima opção. Isso porque ele tem o potencial de intensificar os problemas já identificados no nosso sistema: encarece ainda mais as campanhas, reforça o personalismo, enfraquece os partidos, favorece os caciques e fragiliza a representação de minorias. Ou seja, o distritão é uma ótima saída para lideranças cristalizadas no poder há anos. O distrital misto, por outro lado, tem potencial de ser mais favorável ao eleitor. Nesse formato, o cidadão faria duas escolhas: votaria em um candidato da sua preferência para representar o distrito que seria eleito pelo sistema majoritário, ou seja, ganharia quem tivesse mais votos e, ao mesmo tempo, votaria na legenda. Essa regra procura equilibrar as distorções, mesclando representação majoritária com proporcional. O modelo apresenta, portanto, uma saída conciliatória.

A extinção das coligações partidárias em eleições proporcionais a partir de 2020 foi um dos pontos mais polêmicos na minirreforma. A cláusula de desempenho terá um efeito positivo?

LEANDRO CONSENTINO: Certamente essa é uma mudança importante que tende a enxugar o quadro partidário no Brasil. Nesse sentido, me parece que haverá uma redução que tende a ser positiva para evitar o fenômeno das legendas de aluguel. Contudo, não sou daqueles que acreditam que isso resolverá os problemas. Se a população não se aproximar da política, não é a cláusula de barreira que vai mudar a essência da crise de representação que enfrentamos.

JULIANO DOMINGUES: As coligações se mostraram disfuncionais porque seu uso de modo instrumental se tornou a regra. A expectativa de sucesso eleitoral e não afinidades programáticas deu, historicamente, o tom das alianças. A criação de partidos sem qualquer base em termos de representação se tornou um grande negócio, o que provocou ainda mais fragmentação e distorções no sistema. A cláusula de desempenho se mostrou um remédio necessário e positivo, mas acompanhada de um efeito colateral cruel. Partidos em maior ou menor medida programáticos, como o Psol, PV, PPS e PCdoB, podem ser diretamente afetados pela medida e, com isso, serem varridos do mapa eleitoral brasileiro. Se a regra não for flexibilizada, eles vão precisar se esforçar bastante para reverter essa situação desfavorável ou recorrer a fusões.

Em um momento em que se discute a politização do Judiciário, existe a proposta de limitar o mandato para indicações políticas nas cortes superiores. Qual sua opinião?

LEANDRO CONSENTINO: Acredito que é importante. Precisamos abrir a caixa-preta desse poder, submetendo-o ao escrutínio público, fazendo com que preste conta de suas atividades e não seja um Poder acima dos demais, sem qualquer accountability junto à sociedade. Talvez a fixação de mandatos menores contribua para isso.

JULIANO DOMINGUES: A limitação por si só não garante menos politização. Talvez ocorra justamente o contrário. Além disso, a politização não é algo necessariamente danoso, desde que haja algum equilíbrio. A princípio, a vitaliciedade com aposentadoria compulsória parece ser a melhor garantia para a autonomia entre as opções disponíveis. Além disso, dados indicam que, em média, um ministro do STF não passa muito mais do que 15 anos na função.

A pulverização partidária é apontada como um dos fatores do fisiologismo e da ingovernabilidade. Diminuir o número de legendas é indispensável?

LEANDRO CONSENTINO: Certamente é um dos fatores que pode melhorar muito as relações entre o Executivo e o Legislativo e já está em curso uma cláusula de desempenho com esse fim para as próximas eleições.

JULIANO DOMINGUES: Em tese, sim. Mas o problema não é o número de legendas, mas sim as regras eleitorais que permitem que políticos de partidos com baixíssima representatividade consigam ocupar assentos no Legislativo. Ao todo, o Brasil possui 27 partidos na Câmara. Mas o que importa é aquilo que a Ciência Política classifica como “partidos efetivos”. A média mundial é 4. No Brasil, esse número chega a 14. Temos, com isso, um cenário extremamente fragmentado, em que nanicos costumam trocar benefícios em troca de votos ou da desobstrução de trâmites legislativos, numa relação pouco republicana. Isso significa, na prática, uma dificuldade enorme para o governante formar uma maioria programática, o que gera incentivos ao toma lá, dá cá.

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