Publicado em 26 de fevereiro de 2021 às 17:46
- Atualizado há 5 anos
Sob críticas da opinião pública, de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e de deputados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), recuou da intenção de tratorar a tramitação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da imunidade parlamentar.>
Em vez de votar a PEC nesta sexta-feira (26), Lira, visivelmente insatisfeito, decidiu acatar a proposta de partidos de esquerda e de deputados contrários à tramitação acelerada e enviou a proposição para uma comissão especial, que fará a análise do mérito do texto.>
Ao anunciar a decisão, Lira afirmou que outros líderes partidários respaldaram, na semana passada, a possibilidade de acelerar a tramitação da proposição e criticou os apelidos dados à proposta. "Essa não deveria ser chamada PEC da imunidade. Deveria ser chamada PEC da democracia", afirmou.>
O líder do centrão lamentou a falta de acordo sobre o texto e afirmou que o procedimento havia sido combinado com outros líderes partidários. "Essa Casa de novo hoje não consegue consensuar a alteração de um artigo. Não é um código, é de um artigo", disse. "Não trago essa situação toda para mim, porque a situação é de todos nós.">
>
Os líderes deverão fazer a indicação dos membros até a próxima segunda (1°).>
O rito tradicional de uma PEC exige a votação da admissibilidade pela CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), para avaliar se atende aos princípios constitucionais, e o envio a uma comissão especial, responsável por avaliar o mérito da proposição. Só depois o texto segue para apreciação em plenário.>
Na pandemia, a tramitação foi acelerada para votar textos considerados necessários para dar ao Estado instrumentos para enfrentar a crise sanitária – caso da PEC do Orçamento de Guerra – ou para mudar o calendário das eleições municipais.>
O problema identificado por alguns congressistas foi atribuir o mesmo senso de urgência a uma PEC que era vista como forma de legislar em causa própria e que gerou forte desconforto junto a ministros do STF. A expectativa, agora, é que a PEC seja deixada em segundo plano.>
Lira anunciou a criação de uma comissão pluripartidária sobre a PEC na sexta-feira (19) passada, antes da sessão convocada para apreciar a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). A medida foi vista como uma resposta ao que foi interpretado como uma interferência do STF em outro Poder.>
O texto preliminar começou a circular entre líderes partidários na terça-feira (23) e, no dia seguinte, a proposta teve a admissibilidade aprovada pelo plenário da Câmara.>
A partir daí, a tramitação travou. A primeira tentativa de votar o primeiro turno da proposição, na quinta-feira (25), fracassou por falta de apoio dos congressistas. Para ser aprovada, a PEC precisa de 308 votos, em dois turnos, antes de seguir para o Senado.>
Durante a obstrução realizada na sessão de quinta, as votações oscilaram de 304 a 319 votos, margem considerada arriscada para uma PEC. Uma nova sessão foi marcada para esta sexta, mas Lira não conseguiu costurar um acordo para aprovar o texto. A sessão, marcada para começar às 10h, só teve início quase 4h30 depois. Desde o começo, Lira, irritado, já sinalizava que recuaria da intenção de acelerar a tramitação da PEC.>
"Toda essa celeuma é um artigo só. Não tem impunidade, não tem blindagem, não tem nada. Só que a imunidade parlamentar precisa de ter limites quanto ao seu absolutismo de voto e voz", afirmou.>
"Mas nós vamos continuar no nosso ritmo, e, se a Casa decidir, deputado Glauber [Braga, PSOL-RJ], que o rito deverá ser o normal, deverá ir para as comissões, deverá passar o tempo que for, a Casa decidirá no seu plenário.">
Líder do PSOL na Câmara, a deputada Talíria Petrone (RJ) afirmou que não houve, entre os deputados, consenso sobre o rito que Lira queria aplicar à proposição.>
"É justamente porque muitos de nós entendemos a relevância da matéria, a importância de enfrentar os abusos dos Judiciário, coisa que nós do PSOL, nós do campo da esquerda fazemos há muito tempo, e também garantir as nossas prerrogativas de congressistas é que essa matéria não pode passar a toque de caixa", disse.>
A defesa do envio da PEC a uma comissão especial teve o apoio até mesmo do vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM). No plenário, ele afirmou que "não se pode passar mensagem para a sociedade de que esse é instrumento de proteção do cometimento de crimes ou de ilegalidades pelos parlamentares".>
"Ontem [quinta] fizemos todos os esforços na sessão para avançar. Já está admitida a PEC. E, portanto, talvez o caminho mais prudente nesse momento seja encaminhar à comissão especial em busca de construção de um texto", disse.>
Uma das principais dificuldades práticas enfrentadas pelo líder do centrão foi o PT. O partido criticava alteração feita pela relatora da PEC, Margarete Coelho (PP-PI), que suprimiu dispositivo sobre a ficha limpa, e queria retirar do artigo de imunidade o trecho que tratava de responsabilização ético-disciplinar de congressistas por seus discursos e votos.>
A interpretação de parcela dos deputados era de que esse acréscimo no artigo da Constituição impediria a responsabilização criminal de congressistas que fizessem, por exemplo, discursos de ódio ou antidemocráticos. Por causa disso e pelo dispositivo que vedava o afastamento judicial de parlamentares, a proposta foi apelidada por opositores de PEC da impunidade parlamentar.>
Havia ainda ressalvas ao dispositivo que previa a prisão em flagrante de congressistas por crimes inafiançáveis. No texto enviado na terça, a restrição era a crimes previstos na Constituição. Depois, a redação mudou para dispor que os membros do Congresso Nacional não poderiam ser presos, "salvo em flagrante por crime que, por sua natureza, seja inafiançável na forma da lei.">
Margarete Coelho ainda acenou com um acordo com o PT, mas que não foi considerado satisfatório pelo partido. Após o primeiro requerimento ter apenas 302 votos a favor da continuação da discussão, Lira decidiu retirar de ofício a PEC.>
A PEC foi agilizada pela Câmara como resposta à prisão em flagrante de Silveira, determinada pelo ministro Alexandre de Moraes (STF) e ratificada pelos plenários do Supremo e da própria Câmara na semana passada.>
A decisão da prisão teve como base a publicação de um vídeo de Silveira com ataques aos ministros da corte e defesa ao AI-5 (Ato Institucional nº 5), que deu início ao período mais autoritário da ditadura.>
Em linhas gerais, o texto amplia a blindagem de deputados e senadores e reduz a possibilidade de prisão em flagrante dos parlamentares.>
A proposta prevê, por exemplo, punição disciplinar no conselho de ética a deputados que fizerem discursos que possam ser considerados excessivos e impede afastamento judicial cautelar de congressistas, colocando também o parlamentar preso em flagrante por crime inafiançável sob custódia da Câmara ou do Senado, e não da Polícia Federal, como no caso de Silveira.>
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta