Publicado em 4 de novembro de 2022 às 09:25
A Justiça Federal em Rondônia determinou, em decisão liminar nesta quinta-feira (3), que a Funai (Fundação Nacional do Índio) providencie o enterro dos restos mortais do chamado "índio do buraco" no exato lugar onde ele morreu, uma palhoça na terra indígena Tanaru, no sul do estado.>
O órgão tem cinco dias para fazer o sepultamento.>
A decisão do juiz federal Samuel Albuquerque, da Vara de Vilhena (RO), se deu no processo da ação civil pública movida pelo MPF (Ministério Público Federal) para obrigar a Funai a sepultar o indígena no local onde viveu sozinho e isolado por 26 anos. Ele, também conhecido por "índio Tanaru" era o último de seu povo, dizimado pela ação de madeireiros na região.>
A reportagem questionou a Funai se haverá cumprimento da decisão ou se o órgão recorrerá contra a liminar. Não houve resposta até a publicação do texto.>
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Na véspera do programado para o enterro, o presidente da Funai, Marcelo Augusto Xavier da Silva, agiu para barrar o sepultamento. Ele enviou um ofício à Polícia Federal em Vilhena barrando os procedimentos com a alegação de que era necessário aguardar a conclusão dos laudos dos exames feitos nos restos mortais de "Tanaru".>
Naquele momento, todos os exames já haviam sido concluídos, assim como todas as coletas de materiais pela PF. Não havia necessidade de mais nenhum exame no corpo do indígena.>
Xavier foi colocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) na Funai para barrar ações de fiscalização, esvaziar as funções do órgão e atender a interesses de ruralistas, o que foi feito, segundo indigenistas e servidores da linha de frente da fundação.>
Ao impedir o enterro do "índio do buraco", o presidente da Funai buscou atender a interesses de fazendeiros que circundam a terra indígena, conforme técnicos a par do processo de sepultamento. O enterro no território deve dificultar a exploração da área por esses proprietários de terra.>
Assim que houve a notícia da morte de "Tanaru", foram feitos pedidos para exploração da terra indígena, como a Folha de S.Paulo mostrou. Fazendeiros que se dizem donos da área argumentaram não haver mais restrição para o uso do território, que tem 8.070 hectares.>
A terra indígena Tanaru não é demarcada. Por haver incidência de um indígena isolado, o território conta com uma restrição de uso, definida em portaria da própria Funai. Ela vigora até 2025. É esta portaria que os fazendeiros querem derrubar, a partir da morte.>
A Justiça determinou que o enterro ocorra na palhoça onde o corpo foi encontrado. A Funai tem cinco dias para adotar "todas as ações administrativas necessárias" ao sepultamento, "em conformidade com a organização social, costumes, crenças e tradições indígenas", como consta na decisão. Se houver atraso, a multa deve ser de R$ 1.000 por dia.>
O enterro é uma atribuição da Funai, segundo o juiz Albuquerque.>
"Além da comoção dos povos indígenas próximos, com o desrespeito dispensado ao 'índio do buraco', caracterizado na demora excessiva no seu sepultamento/rituais, tem-se ainda a probabilidade de repercussão da omissão do Estado brasileiro", disse o magistrado.>
"Verifica-se que desde a morte do 'índio do buraco' já se passaram vários meses e, mesmo o corpo já tendo sido liberado pela perícia técnica da PF, a Funai não o sepultou", afirmou.>
"Tanaru" optou pelo isolamento após seus familiares serem mortos por madeireiros na década de 1990. Segundo a Funai, o grupo tinha seis pessoas e existiu até 1995. O órgão passou a monitorá-lo, e a respeitar seu modo de vida, a partir de 1996.>
O presidente da Funai decidiu contrariar os profissionais envolvidos no tratamento dado ao "índio do buraco" após a morte e segurou o sepultamento do indígena, que deu mostras do lugar e da forma como gostaria de ser sepultado, conforme indícios deixados por ele no momento do óbito.>
O corpo foi encontrado em 23 de agosto. O óbito ocorreu de 30 a 40 dias antes, segundo análise feita.>
Depois dos exames feitos por peritos da PF, o enterro estava previsto para o último dia 14, no mesmo lugar onde foi encontrado na terra indígena. Horas antes, na noite do dia 13, o presidente da Funai interveio e barrou o sepultamento. Desde a morte já se passaram, portanto, mais de três meses.>
"A ausência de sepultamento de Tanaru, tendo sido levado seu corpo há quase dois meses, tempo mais do que o necessário para a realização de todos os exames necessários, fatos confirmados pela própria PF, configura nítido desrespeito à sua memória e à sua história", diz a ação da Procuradoria. É o mesmo entendimento de indigenistas, servidores e outras pessoas a par do processo.>
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