Publicado em 15 de julho de 2020 às 09:01
A crise gerada pela recente crítica do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao Exército aumentou a pressão da cúpula das Forças Armadas para que o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, deixe o comando da pasta ou se transfira para a reserva como forma de dissociar a imagem dos fardados do governo Jair Bolsonaro. >
O militar indicou a aliados, porém, que não pretende antecipar sua ida para a reserva e que o presidente tem duas janelas no calendário da pandemia de Covid-19 para empossar um titular na pasta. A primeira, no fim deste mês. A segunda, em setembro.>
Militares ficaram bastante incomodados ao ver respingar em suas fardas as críticas feitas por Gilmar.>
No último sábado (11), o magistrado disse que o Exército, ao ocupar cargos técnicos no Ministério da Saúde em meio à crise do novo coronavírus, está se associando a um genocídio.>
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O Ministério da Defesa reagiu e encaminhou nesta terça-feira (14) representação à Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ministro do STF.>
Como mostrou o jornal Folha de S.Paulo, na notícia de fato, a pasta usa como argumentos artigos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal Militar - que em alguns casos podem alcançar civis.>
A PGR vai avaliar a representação e decidir se o caso deve seguir ou se vai arquivá-lo.>
Antes de mandar o pedido à Procuradoria, o Ministério da Defesa divulgou duas notas repudiando a declaração, assinadas pelo ministro Fernando Azevedo e Silva e os chefes das três Forças.>
O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, cobrou nesta terça um pedido de desculpas de Gilmar. "Com certeza, se ele tiver grandeza moral, ele tem de se retratar", disse em entrevista à CNN Brasil.>
"Eu vi o cidadão Gilmar Mendes fazer uma crítica totalmente fora de propósito, ao comparar o que ocorre no Brasil com um genocídio. Genocídio foi cometido por Stálin contra as minorias russas, foi cometido por Hitler contra os judeus. Foi cometido na África, em Ruanda, e outros casos. [Por] Saddam Hussein contra os curdos. O ministro exagerou demais no que ele falou", afirmou o vice-presidente.>
A nova cobrança feita por Mourão, que na véspera havia dito que Gilmar tinha errado "o tom" de sua crítica, foi uma resposta à insatisfação dos militares com o ministro, mas também com o próprio vice-presidente.>
Mourão teria sido suave demais com Gilmar, na opinião dos comandantes militares, que também não se sentiram atendidos pela nota do ministro do STF que reiterou as críticas.>
A queixa central dos militares e de Azevedo é o uso por Gilmar da palavra genocídio, que é um crime.>
Interlocutores do ministro do Supremo tentaram convencê-lo a pedir desculpas pelo termo, mas ele tem dito que não buscou imputar crime a ninguém, muito menos à instituição Exército.>
Integrantes do governo e do Judiciário entraram em campo para evitar a escalada da crise para algo grave, mas o impasse permanece.>
O presidente do STF, Dias Toffoli, de quem Fernando Azevedo já foi assessor direto, tem buscado acalmar os ânimos, mas os militares não aceitam nada além de uma retratação.>
Aliados de Gilmar Mendes na corte, por outro lado, consideram que sua explicação e sustentação das críticas à militarização da pasta da Saúde já seriam suficientes, e mais do que isso pode implicar submissão de um Poder a outro.>
Para o ministro, as forças estão numa posição frágil por estarem expostas a críticas enquanto Pazuello, que está na ativa, for ministro da Saúde e a pasta estiver repleta de militares.>
Nesta terça (14), Gilmar divulgou nota na qual reafirmou "o respeito às Forças Armadas brasileiras", mas conclamou a que se "faça uma interpretação cautelosa" do momento atual. Gilmar ainda afirma que não atingiu a honra do Exército nem da Marinha nem da Aeronáutica.>
"Apenas refutei e novamente refuto a decisão de se recrutarem militares para a formulação e execução de uma política de saúde que não tem se mostrado eficaz para evitar a morte de milhares de brasileiros.">
Ele disse a aliados que decidiu falar para explicar o contexto em que se deu sua declaração, que deu voz ao que os militares mais temiam.>
Desde que Pazuello foi oficializado como ministro interino da Saúde, em 3 de junho, a cúpula das Forças Armadas defendia que ele saísse assim que possível para não confundir o papel dos militares da ativa com a política - o que considera que é inevitável no cargo de ministro, ainda mais agora, durante a pandemia. O próprio Azevedo já disse isso a pessoas próximas.>
De acordo com um militar próximo a Pazuello, o ministro interino diz internamente que está em Brasília apenas cumprindo uma missão, mesmo discurso que sustenta desde 22 de abril, quando foi anunciado como secretário-executivo da Saúde.>
Ele fora convocado por Bolsonaro para organizar o ministério para Nelson Teich, então ministro da Saúde que deixou o cargo em 15 de maio, menos de um mês após assumir o posto de Luiz Henrique Mandetta.>
O general diz a aliados que nunca discutiu sua efetivação no ministério e que só teria de ir para a reserva em março de 2022. Por isso, não tem qualquer intenção de deixar a ativa.>
Terminado o trabalho na Saúde, ele afirma a pessoas próximas que quer voltar a comandar a 12ª Região Militar, no Amazonas.>
Em condição de anonimato, um militar ouvido pela reportagem diz que Pazuello vê duas janelas em que Bolsonaro pode querer encerrar a missão e trocá-lo.>
A primeira seria no final de julho, com o ministério já reestruturado e com os casos no centro-norte do país em queda.>
A segunda seria entre o fim de agosto e setembro, quando espera-se que os números no centro-sul do país, hoje em ascensão, comecem a cair.>
Até lá, diz este militar ligado ao general, Pazuello procura dar sinais de que ignora a pressão que vem sofrendo.>
Diante da crítica de Gilmar sobre a presença de militares em cargos técnicos, o ministro interino argumenta aos seus que, dos cerca de 5.470 funcionários da Saúde, apenas 15 são militares da ativa, sendo ele e outros três em função de comando.>
Além disso, ele tem sido defendido publicamente por Bolsonaro.>
Na live que fez em 25 de junho, o presidente disse que seu interino vem fazendo uma gestão "excepcional" e que, mesmo não sendo médico, "está com uma equipe fantástica".>
"Sabemos que muitos querem que a gente coloque lá um médico, agora um médico dificilmente é gestor. Se aparecer um médico gestor, a gente conversa com o Pazuello e vê como fica", disse no mês passado.>
Em 7 de julho, quando anunciou estar com Covid-19, Bolsonaro voltou a elogiá-lo, mas ponderou que Pazuello não deveria, de fato, ser efetivado.>
"É um nome que não vai ficar para sempre. Está completando três meses como interino. Já deu uma excelente contribuição para nós", afirmou.>
No Palácio do Planalto, um auxiliar de Bolsonaro diz, também sob anonimato, que a ausência de um titular em uma pasta como a Saúde incomoda, mas que o presidente não pode errar novamente, como aconteceu tanto na Saúde como na Educação.>
Esse assessor palaciano afirma também que Pazuello está sob os holofotes, mas a crescente pressão para que não haja militares na cúpula do governo é mais ampla e tem como alvo o almirante de esquadra Flávio Augusto Viana Rocha, secretário de Assuntos Estratégicos e homem cada vez mais próximo de Jair Bolsonaro.>
Foi dele, por exemplo, a indicação de Carlos Alberto Decotelli para o Ministério da Educação. O indicado, no entanto, não chegou a tomar posse por causa de inconsistências apontadas em seu currículo.>
Esse auxiliar pondera que, enquanto Pazuello é interino, Rocha é titular. O ministro da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, entregou no início de julho uma carta em que pede a antecipação de sua ida para a reserva, o que só aconteceria em dezembro de 2021.>
A oficialização desta transição deve ser publicada no Diário Oficial da União ainda nesta semana.>
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