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Conselheiro acusa Comissão de Ética da Presidência de favorecer governo

Conselheiro acusa Comissão de Ética da Presidência de favorecer governo

A comissão, que hoje tem seis integrantes, foi criada há 21 anos para evitar e punir casos de conflito de interesse

Publicado em 2 de maio de 2020 às 18:43

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Presidente Jair Bolsonaro em discurso cercado por ministros
Presidente Jair Bolsonaro em discurso cercado por ministros. (Carolina Antunes/PR)

Um integrante da Comissão de Ética Pública da Presidência da República acusa o órgão de fazer manobras internas para ajudar integrantes do governo Jair Bolsonaro.

O conselheiro Erick Vidigal enviou nesta sexta-feira (1º) uma carta aos demais membros do colegiado afirmando que o presidente interino da comissão, Paulo Henrique Lucon, tem atuado a favor do Planalto em troca de sua reeleição e contra a escolha de Vidigal para assumir a presidência.

Lucon nega as acusações e afirma que Vidigal "não tem condições técnicas e morais" para o cargo.

A comissão, que hoje tem seis integrantes, foi criada há 21 anos para evitar e punir casos de conflito de interesse, além de recomendar punições por desvios praticados por servidores públicos de alto escalão, especialmente ministros e secretários.

O pano de fundo da briga interna é a eleição para a presidência do conselho, que deveria ter ocorrido na última sessão, há cerca de dois meses, e foi suspensa. Pela tradição, Vidigal, que está há mais tempo no posto, deveria ser eleito presidente.

No entanto, depois de defender a abertura de uma investigação sobre o chefe da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom), Fabio Wajngarten, Lucon e demais conselheiros fizeram um acerto pelo adiamento da escolha.

O caso começou a partir de reportagens da Folha de S.Paulo. O jornal noticiou que Wajngarten é sócio majoritário de uma empresa, a FW Comunicação, que recebe dinheiro de TVs e agências de publicidade contratadas pela própria Secom, ministérios e estatais do governo Bolsonaro.

Depois que ele assumiu o cargo, em abril de 2019, as contratantes passaram a ter percentuais maiores da verba publicitária da Secom. Uma delas é a Record, do bispo Edir Macedo.

Os precedentes da comissão eram de apontar conflito de interesses em situações como a de Wajngarten, mas, em fevereiro, em julgamento presidido por Lucon, o colegiado arquivou o caso sem levar adiante uma investigação. O chefe da Secom nega irregularidades.

"Irei recorrer à Justiça e ao MPF [Ministério Público Federal] não para impedi-lo [Lucon] de ser reeleito", disse Vidigal à Folha. "Irei para que o Poder Judiciário o retire da comissão. Ele não preenche e nem nunca preencheu os requisitos legais [para a função]."

"A presidência da CEP (comissão), para mim, tanto faz. Se fosse presidente apenas seria mais fácil abrir a comissão para a sociedade poder fiscalizá-la. Vou buscar a transparência diretamente perante o MPF e o Poder Judiciário, onde tenho muito mais chance de êxito por poder contar com juízes de verdade."

Vidigal afirma, na carta enviada aos outros membros, que foi barrado pela secretaria-executiva do órgão na busca de obter informações sobre processos em andamento. Em um dos pedidos, ele queria saber o relator do caso envolvendo Sergio Moro, ex-ministro da Justiça, que deixou o cargo com acusações contra Bolsonaro.

"Somente depois de muita pressão, fiquei sabendo que seria o Lucon", disse. "Imagine um ministro do Supremo pedir ao secretário-geral da corte o número de um processo ou o nome do relator e receber a informação de que ele só pode dar se o relator autorizar."

Na mensagem, Vidigal afirma que a comissão está se desvirtuando e sofrendo investidas do governo Bolsonaro.

Segundo ele, o orçamento foi reduzido, servidores, exonerados e houve um projeto de esvaziamento da comissão pela CGU (Controladoria-Geral da União), em acordo com Bolsonaro, além da "tentativa de nomear para o colegiado o irmão do ministro que é alvo do maior número de procedimentos na comissão [Arthur Weintraub, irmão do ministro da Educação, Abraham Weintraub]".

Vidigal sustenta que diversos conselheiros passaram a achar "normal" uma série de irregularidades.

"O presidente [da CEP] não vê nada de imoral em autoridades realizarem despesas públicas que favorecem pessoas contratadas ao mesmo tempo pela administração pública e pela empresa da qual a autoridade é sócia", escreveu, referindo-se ao caso Wajngarten.

"Não vê nada de irregular em relatar --para arquivar-- um processo envolvendo autoridade que viajou para a Europa por convite dele próprio. Quantas vidas não poderiam ter sido salvas se o dinheiro gasto com tais viagens pudesse ser usado para comprar respiradores para UTIs do SUS?".

Nesse caso, Vidigal se refere a um evento organizado por Lucon em Roma, na Itália, com advogados processualistas antes de integrar a CEP.

A então ministra da AGU (Advocacia geral da União), Grace Mendonça, participou. Seu marido a acompanhou em parte da viagem, que foi feita em avião da FAB.

Depois do episódio, Lucon foi nomeado para a CEP e se tornou relator do caso. Segundo Vidigal, ele não se declarou impedido e arquivou por falta de provas.

Em outro episódio que sugere defesa do governo Bolsonaro, o conselheiro Ruy Altenfelder solicitou que todos os processos envolvendo o ministro da Educação, Abraham Weintraub, fossem julgados em bloco.

Segundo Vidigal, uma vez que cada processo tem um relator, caberia a Lucon deliberar sobre o andamento. "O pedido foi ignorado", escreve Vidigal.

O conselheiro afirma ter consciência de que, com a carta, partiu para a guerra e enterrou qualquer chance de assumir o comando da comissão.

"Não entrei na CEP para bater palmas para governantes indecentes ou para perseguir desafetos do governo. Muito menos para atender pedidos feitos às sombras por ex-governantes", escreveu, sem citar nomes.

Um dos conselheiros, Gustavo Rocha, que relatou e propôs o arquivamento do caso Wajngarten, é ligado ao ex-presidente Michel Temer (MDB) e foi ministro de seu governo.

Ao fim da carta, Vidigal afirma que informará ao Ministério Público Federal sobre o possível descumprimento de preceito legal na nomeação de Lucon para a comissão.Também avisa que recorrerá à Justiça para "restabelecer as prerrogativas mínimas e essenciais para que exerça seu mandato".

Procurado pela reportagem, Lucon afirmou em nota que Vidigal tenta confundir para atacá-lo, pois "desejava e deseja --a todo o custo e por qualquer meio-- ser presidente da CEP".

"Os demais conselheiros, por maioria, não o querem presidente, porque ele não tem o preparo e a idoneidade necessários. Isso o levou a me atacar e a atacar a CEP. O senhor Erick, infelizmente, não tem condições técnicas e morais para presidir a CEP, tal como ele desmedidamente ambiciona", afirmou.

Lucon disse que o evento em Roma teve o apoio de várias entidades, entre as quais a AGU, então comandada por Grace Mendonça.

"O IBDP - Instituto Brasileiro de Direito Processual, que presido e presidia à época, foi apenas um dos muitos apoiadores do evento", justificou.

Lucon sustenta que o instituto atuou apenas na divulgação do evento e na indicação de professores para expositores no evento.

"Frise-se: o IBDP não incorreu em qualquer despesa no evento. Necessário dizer que conheci, em brevíssimos minutos, no tal evento, a ex-ministra Grace. Isso é o que resume minha relação com a senhora ex-ministra."

Lucon alegou que Vidigal lhe imputa falta de preparo na área administrativa, mas não examinou sua história.

"Passei por quatro concursos públicos na USP (mestrado, doutorado, livre docência e ingresso na carreira universitária). Fui eleito pelos meus pares para integrar a Congregação da Faculdade de Direito da USP, órgão que também delibera sobre a direção da mais tradicional instituição de ensino jurídico do país", afirmou, citando outros itens de seu currículo.

"E quem é Erick Vidigal? Filho do ministro Edson Vidigal, que foi do STJ [Superior Tribunal de Justiça] e que tem sua atuação questionada. Os cargos que exerceu foram comissionados. Ele deveria seriamente pensar se tem condições de permanecer como conselheiro da CEP."

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