Publicado em 24 de maio de 2020 às 12:06
A divulgação do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril encerra um dos capítulos do inquérito aberto pelo STF (Supremo Tribunal Federal) para apurar as acusações do ex-ministro Sergio Moro de que o presidente Jair Bolsonaro queria interferir na Polícia Federal. A queda do sigilo do encontro ocorreu exatamente um mês após a reunião. >
Procuradores, ministros e integrantes do governo consideram que Celso de Mello, relator do inquérito, tem adotado ritmo célere em busca de provas que possam dar sustentação à investigação.>
O procurador-geral da República, Augusto Aras, já citou a "marcha acelerada" das decisões do ministro.>
Na celeuma em torno do sigilo da reunião, Mello fez questão de deixar claro que decidiria "brevissimamente" sobre a questão, apesar dos entraves operacionais para assistir à gravação, uma vez que o decano do STF está em isolamento em São Paulo.>
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À exceção do período de uma semana que levou para decidir sobre a publicidade do vídeo, desde que determinou a instauração do inquérito o ministro encurtou prazos para coleta de depoimentos, determinou perícia na gravação e mandou "oficiar com urgência" o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge Oliveira, e outros dois integrantes do governo para a entrega do vídeo.>
Mello também mencionou a possibilidade de fazer "condução coercitiva" de ministros do governo na hipótese de não prestarem espontaneamente os depoimentos.>
Para corroborar as acusações de Moro, foram ouvidos os generais Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo), e Walter Braga Netto (Casa Civil). Moro disse que os três estavam presentes em reuniões e presenciaram o presidente ameaçando demiti-lo.>
O ritmo imposto pelo ministro incomoda integrantes do governo e da PGR. O ministro levou três dias para autorizar a abertura do inquérito, em 27 de abril. Inicialmente, o decano do STF deu 60 dias para a Polícia Federal e a Procuradoria-Geral fazerem a oitiva do ex-ministro da Justiça.>
Três dias depois, Mello acolheu um pedido de urgência de congressistas e reduziu para cinco dias o prazo para a coleta do depoimento, e o fez sem pedir manifestação da PGR a respeito.>
Juristas observam também que, quando tomou a decisão, os autos do inquérito estavam sob a tutela da PGR.>
Em 1º de maio, a Procuradoria designou três procuradores para acompanhar diligências, que foram encaminhados à PF. O depoimento de Moro fora marcado para o dia seguinte, dia 2 de maio. No dia 4, a PGR pediu mais diligências, como a oitiva dos ministros de Estado.>
Em 5 de maio, Mello deu 72 horas para o Palácio do Planalto entregar uma cópia dos "registros audiovisuais" da reunião de 22 de abril.>
No dia seguinte, a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu que o ministro reconsiderasse a decisão sob o argumento de que na reunião poderiam ter sido "tratados assuntos potencialmente sensíveis e reservados de Estado, inclusive de relações exteriores, entre outros".>
Menos de 24 horas depois, o governo pediu para entregar só uma parte.>
Os recursos em série levaram a especulações nas cortes superiores em Brasília sobre se Bolsonaro descumpriria a decisão do ministro.>
Diante desse cenário, às vésperas do fim do prazo, a avaliação de integrantes de tribunais é a de que Mello poderia inclusive ter pedido a busca e apreensão no Palácio do Planalto para ter acesso ao registro audiovisual do encontro caso o governo descumprisse a decisão judicial.>
Em uma sexta, dia 8, data-limite da entrega da gravação pelo governo imposta pelo decano, ministros do Supremo entraram em campo para buscar um entendimento entre Bolsonaro e sua assessoria jurídica e a corte para a entrega do vídeo.>
O ministro da AGU, José Levi do Amaral, chegou a externar em telefonemas a integrantes da corte a preocupação da cúpula do Executivo sobre quem teria acesso à gravação.>
A preocupação também foi expressa em uma terceira petição da AGU a Mello apresentada na tarde daquela sexta, em que ele pedia para saber quem teria acesso ao material uma vez que ele chegasse ao Supremo.>
Do outro lado, embora tivesse pedido parecer à PGR, Mello deu sinais de que não pretendia ceder aos apelos da AGU de aceitar a entrega de só parte do conteúdo. Pelo contrário.>
Na véspera da entrega do vídeo, houve o receio de integrantes do Judiciário e do governo de uma crise mais aguda com o Executivo caso houvesse descumprimento do prazo e Mello determinasse mandar apreender o vídeo.>
O ministro tem deixado explícito que as decisões devem ser cumpridas, como disse que os ministros do governo poderiam ser conduzidos "debaixo de vara" caso não prestassem o depoimento sobre a possível interferência de Bolsonaro na autonomia da PF.>
Ao levantar o sigilo do vídeo, o decano do STF também alertou que o descumprimento de ordem judicial pode levar o presidente ao cometimento de crime de responsabilidade. No caso do vídeo, avaliaram pares do Mello e procuradores, não seria diferente.>
A decisão do ministro sobre a apreensão do material não seria adotada sob raciocínio das consequências políticas, mas da técnica investigativa, a fim de ter acesso o possível elemento de prova.>
Do ponto de vista jurídico, se o governo não respeitasse o período estipulado pela Justiça, representada no caso pelo ministro, estaria caracterizado o descumprimento de ordem judicial, o que permite a determinação de medidas mais invasivas, como busca e apreensão.>
Dado o cenário, integrantes do governo e do Supremo conversaram e houve a entrega do vídeo no fim da tarde de sexta.>
Assim que chegou ao STF, o material, original, foi lacrado em um envelope com as assinaturas do advogado-geral da União, da delegada responsável pelo caso e um representante do Supremo.>
Depois dessa etapa, o vídeo foi colocado em um cofre filmado, onde ficam as provas de caráter sigiloso da corte, até o despacho de Mello determinando que as partes assistissem ao conteúdo do vídeo.>
Ministros do Supremo dizem que o governo está bem orientado e elogiam a conduta de José Levi à frente da AGU. A tentativa de contornar inicialmente a entrega do vídeo ocorreu principalmente por pressão dos integrantes do governo que temiam a consequência da sua divulgação.>
Advogados consideram normal o ministro imprimir ritmo mais rápido ao inquérito por envolver o presidente da República. E, de fato, tramitação da investigação é muito mais célere do que outras sob relatoria de Mello.>
Relator do inquérito contra o ministro da Educação, Abraham Weintraub, por racismo em publicação nas redes sociais em que insinua que a China se beneficiou pela pandemia, o ministro levou 14 dias para determinar o início das investigações, enquanto no caso de Moro e Bolsonaro foram três dias.>
Na sexta-feira (22), Bolsonaro reclamou da divulgação de "99%" do vídeo. Mello retirou uma parte em que integrantes do governo reclamavam da China.>
O presidente disse que estava na iminência de destruir o vídeo. "Eu cumpri a decisão do sr. ministro Celso de Mello. Sempre acreditei na independência entre os Poderes", disse.>
"Entregamos o vídeo e peticionamos para que se divulgasse apenas o que tinha relação com o inquérito", disse. "A responsabilidade de tudo no vídeo que não tem a ver com inquérito é do senhor ministro do Supremo Celso de Mello.">
O encontro, recheado de palavrões, ameaças de prisão, rupturas institucionais, xingamentos e ataques a governadores e integrantes do STF, foi tornado público em quase sua integralidade. A íntegra do vídeo mostrou um temor do presidente em ser destituído.>
Bolsonaro ainda revelou contar com um sistema de informação particular, alheio aos órgãos oficiais, o que reforça as indicações de interferência política na PF.>
Ações de combate à pandemia do coronavírus foram tratadas de forma lateral no encontro.>
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