> >
Brasil ultrapassa 10 mil mortes e especialistas cobram bloqueio total

Brasil ultrapassa 10 mil mortes e especialistas cobram bloqueio total

Segundo especialistas, aumento no número de casos e baixa quantidade de testes são indicativos para se  ampliar as medidas de restrição social

Publicado em 10 de maio de 2020 às 09:18

Ícone - Tempo de Leitura 0min de leitura
Vitória - ES - Ensaio: Muros e máscaras. Registros mostram a interação entre entre rostos cobertos com máscaras e arte na cidade em meio a pandemia de coronavírus.
Bloqueio total das atividades externas é vista como solução no combate ao coronavírus. (Vitor Jubini)

Brasil ultrapassou no sábado, 9, a marca de 10 mil mortos. De acordo com boletim do Ministério da Saúde, o país tem 10.627 vítimas. E 155.939 casos confirmados. Em 24 horas, o registro de óbitos oficial foi de 730. Para os especialistas, ao lado da chegada ao limite dos leitos no sistema de saúde e da falha no oferecimento de testes – trata-se da nação que menos testa entre os oito países com mais casos –, é o indicativo para ampliar as restrições, sobretudo usando Lockdown (bloqueio total), como ocorre, por exemplo, em São Luís, no Maranhão.

O país já está entre as nações com maior número de mortes pela doença, ficando atrás de Estados Unidos (77.344), ainda epicentro mundial, Reino Unido (31.662), Itália (30.201), Espanha (26.299) e França (26.233), esses últimos países europeus castigados pelo coronavírus. Isso considerando os dados compilados pela Universidade John Hopkins. O Brasil já havia ultrapassado a China, marco zero da ovid-19, dia 28 de abril.

Já em número de casos confirmados, ainda de acordo com John Hopkins, o Brasil está na oitava posição, atrás de EUA (1.286.833), Espanha (222.857), Itália (217.185), Reino Unido (212.629), Rússia (198.675), França (176.202) e Alemanha (170.643). O dado oficial apontava nos sábado 155.939 infecções, ante 145.238 na véspera.

Ao longo da semana, o Brasil veio batendo recordes de registros de mortes em 24 horas. Na sexta-feira, foram 751. Diante desse cenário, especialistas afirmam que o Lockdown é uma medida necessária para evitar uma explosão ainda maior de casos em capitais e regiões metropolitanas.

Aspas de citação

Vários Estados têm a demanda dos serviços de saúde no limite e tudo indica que teremos um forte aumento de casos e de óbitos nas próximas semanas. Este cenário indica a necessidade de que as autoridades indiquem o Lockdown, medida que deve ser associada a ações de apoio a populações socialmente vulneráveis

Eliseu Alves Waldman
Epidemiologista e professor da Faculdade de Saúde Pública da USP
Aspas de citação

Luciana Costa, diretora adjunta do Instituto de Microbiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai além sobre a possibilidade de eficácia do bloqueio total.

"O Lockdown é a única solução neste momento que pode ter alguma eficácia para controlar a curva epidêmica, que está indo para o descontrole. As medidas de isolamento social não tiveram adesão da população como deveriam. Isso foi consequência de informações truncadas e mensagens opostas enviadas por prefeitos e governadores e o presidente da República", diz ela. 

"A epidemia pode se expandir rapidamente diante de mais aglomerações e atividades. Se não for feito nada que interrompa as novas transmissões, o Brasil pode se tornar o novo epicentro da pandemia, juntamente com os Estados Unidos", defende a especialista do Laboratório de Genética e Imunologia das Infecções Virais.

A medida de quarentena compulsória, em que ficar em casa é uma obrigação e não uma recomendação, já foi adotada pelo governo do Pará na capital, Belém, e em outras grandes cidades do Estado desde terça. No Nordeste, Maranhão e Ceará decretaram medidas similares.

LIÇÃO DE CASA

O momento atual se tornou "preocupante" na opinião dos pesquisadores porque o Brasil não fez a lição de casa. O virologista Flávio Guimarães da Fonseca, que atua no Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas), afirma que o Brasil desperdiçou a oportunidade de observar a evolução da pandemia em outros países, como Itália, Espanha e Reino Unido, que começaram a sofrer antes os efeitos da pandemia.

"A realidade de outros países, até os ocidentais, poderia ser utilizada como modelo para preparar a população. Isso não foi feito de uma forma uniforme em todo o Brasil", diz o pesquisador do Departamento de Microbiologia da UFMG.

No início do mês de março, a Itália, por exemplo, era o país mais afetado da Europa pela Covid-19. Lá, a primeira morte foi confirmada no dia 21 de fevereiro. Quase cinco semanas depois, o país já ultrapassava as 10 mil vítimas. A Itália demorou para responder à emergência e registra mais de 30 mil mortes.

Rafaela Rosa-Ribeiro, doutora em biologia celular e estrutural, que trabalha atualmente com um grupo de virologistas no Ospedale San Raffaele em Milão, afirma que está assistindo ao mesmo filme pela segunda vez. O primeiro foi em solo italiano; o segundo, no Brasil.

"Parece um filme que está se repetindo com um roteiro diferente. A Itália subestimou a doença de certa forma, não por maldade, mas por ignorância. Fomos o primeiro país atingido fora da China. Depois, o país chegou a ser elogiado pelas medidas rápidas. No dia 11 de março já estava tudo fechado, com exceção de farmácias e supermercados. Foram dois meses de Lockdown", diz a cientista brasileira. 

"Tenho família no Brasil e estou preocupada. As pessoas não estão conseguindo entender a gravidade da doença. Na Itália, os cientistas foram ouvidos", diz. "Entendo que o Brasil é um país muito diferente dos países europeus. É mais complicado tomar medidas drásticas, por causa da quantidade de pessoas, condições sanitárias e econômicas. Mas muita gente que pode ficar em casa e empresas que poderiam deixar funcionários em home office não estão pensando na doença", acrescenta

QUANTIDADE DE TESTES

O infectologista Antonio Bandeira, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) e professor da Faculdade de Tecnologia e Ciências Uniftc, lembra que o Brasil também não se preparou em relação à realização de testes. O especialista afirma que o Brasil fez 340 mil testes enquanto o número nos Estados Unidos é de 2 milhões.

Dos oito países com maior quantidade de casos, o Brasil é o que menos testa. De acordo com o número de testes por 1 mil habitantes, apresentados nesta sexta-feira pelo Observatório Covid-BR, os Estados Unidos registram a média de 24,4, a Espanha, de 28,9, a Itália, 38,3, a Alemanha, 32,8. O índice no Brasil é de apenas 1,4.

"Os testes moleculares (PCR) precisam ser expandidos. Isso é fundamental. O teste permite captar o número de pacientes, ajudar no planejamento de saúde e reduzir a subnotificação. Com o teste, é possível definir o isolamento domiciliar para que a pessoa infectada não contamine outros pacientes", explica ele.

Por causa da falta de testes, Jean Pierre Schatzmann Peron, pesquisador líder da Plataforma Pasteur/ USP, que desenvolve estudos com foco em anticorpos e imunopatogênese, calcula que o número de contaminados seja de três a cinco vezes maior no País. "A gente não consegue testar todo mundo", resume.

Alexandre Cunha, infectologista do Grupo Sabin e vice-presidente da Sociedade de Infectologia do Distrito Federal, afirma que a principal preocupação tem de ser com a velocidade de propagação da doença e não necessariamente com os números absolutos. "Nos países onde se conseguiu manejar a epidemia sem sobrecarga do sistema de saúde, a mortalidade foi a esperada. Nos países com situação hospitalar razoável, mas onde o sistema de saúde entrou em colapso, a mortalidade foi várias vezes maior do que em países onde o sistema suportou", argumenta. 

Este vídeo pode te interessar

"Nossa grande preocupação é a velocidade com que esses casos e a capacidade de absorção do sistema de saúde. No Brasil, a situação tem de ser analisada em cada município. O que é bom para uma região pode não ser boa para outra. Cada município vai atingir o pico em momentos diferentes", conclui.

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais