Publicado em 28 de junho de 2022 às 07:36
O Brasil tem registrado uma média de duas mortes diárias por Covid-19 entre crianças abaixo de cinco anos, faixa etária que ainda não está elegível para a vacinação no país e que vem lotando os hospitais pediátricos. Em 2020 e 2021, foram 1.439 óbitos nesse grupo, sendo que 48% eram de bebês entre 29 dias e um ano incompleto (pós-neonatal), uma média de 1,9 por dia. Em 2022, são pelo menos mais 291 mortes abaixo dos cinco anos até o dia 11 de junho, uma média de 1,8 por dia.>
Para efeito de comparação, desde o início da pandemia, os Estados Unidos, que já estão imunizando essa faixa etária, registraram 442 mortes entre crianças abaixo dos cindo anos por Covid, ou seja, quase um terço (30,7%) do total de óbitos brasileiros. Os EUA têm 3,6 milhões de nascimentos por ano, enquanto o Brasil cerca de 2,6 milhões.>
A análise inédita é do Observa Infância, projeto ligado ao Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Os números de 2020 e 2021 foram extraídos do SIM (Sistema de Informações sobre Mortalidade) e já passaram por revisão do Ministério da Saúde e das secretarias estaduais de Saúde.>
O Nordeste respondeu pela maior parte das mortes infantis por Covid nesses dois anos, com 43,9% do total, em média. A região tem apenas um terço da população de crianças abaixo de cinco anos. Em seguida, vem o Sudeste, com 24,5% dos óbitos. Depois, o Norte (18,1%), o Centro-Oeste (6,1%); e o Sul (7,3%).>
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Embora o número de mortes de crianças até cinco anos represente apenas 0,22% do total de óbitos por Covid até dezembro de 2021 (668.074) no Brasil, o pesquisador do Observa Infância Cristiano Boccolini, autor principal do estudo, diz que a quantidade não é insignificante. "São quase 1.500 famílias que perderam seus bebês e crianças. É uma tragédia.">
Os dados do Observa Infância levam em conta a Covid como causa básica da morte e também como causa contribuinte. Ou seja, a criança já tinha algum problema de saúde, como uma insuficiência cardíaca congênita, foi infectado pelo coronavírus, teve o quadro piorado e morreu.>
Para Boccolini, o número alto de mortes comparado a outros países reflete o grande número de infecções e de mortes pela doença no Brasil associada à desigualdade de acesso aos serviços de saúde entre as regiões do país. O pesquisador diz que mais estudos serão necessários para identificar o motivo do excesso de mortes de crianças brasileiras quando comparadas com às de outros países, e da concentração dos óbitos no Norte e Nordeste e na faixa etária do pós-neonatal.>
Em números absolutos, as mortes infantis brasileiras até cinco anos de idade representam 26,8% dos 5.376 óbitos de crianças nesse grupo registrados em 91 países que possuem dados desagregados por faixa etária, segundo o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).>
Por considerar a Covid como causa básica e causa contribuinte, o total de óbitos mensurado pelo Observa Infância é 18,3% superior ao divulgado nos boletins do Ministério da Saúde, que só computa a morte por Covid como causa básica. Em 2020 e 2021, as mortes oficiais somam 1.175, segundo os boletins divulgados pela pasta.>
"Temos um excesso de mortes por Covid nessa faixa etária abaixo dos cinco anos. A cada dia que passamos sem vacinação para as crianças a partir de seis meses, o Brasil perde duas delas. Isso é inaceitável. O óbito por Covid já pode ser considerado evitável", diz Boccolini.>
Na opinião do infectologista Munir Ayub, membro do comitê de imunizações da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), não há dúvidas de que a população menor de cinco anos está mais vulnerável à Covid e que precisa ser vacinada. "A questão é saber qual vacina será liberada no Brasil e quando isso vai acontecer.">
Os Estados Unidos começaram na terça (21) a imunizar crianças entre seis meses e cinco anos de idade com as vacinas da Pfizer e da Moderna.>
Desde março, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) analisa o pedido do Instituto Butantan para uso da Coronavac entre três e cinco anos, mas ainda não há uma decisão. No dia 8 de junho, a agência ouviu especialistas das sociedades brasileiras de infectologia, pediatria e imunologia, além da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).>
Na semana passada, a farmacêutica Pfizer informou que prepara a documentação para solicitar à Anvisa a autorização para vacinar crianças entre seis meses e cinco anos, mas ainda não há prazo para que isso ocorra. Ou seja, no momento não há nenhuma vacina sob análise para a faixa etária em que as mortes têm se concentrado, entre 29 dias e um ano incompleto.>
Segundo a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm (Sociedade Brasileira de Imunizações), crianças menores de um ano são mais vulneráveis a todas as infecções. Nos primeiros meses de vida, os bebês estão protegidos devido aos anticorpos transferidos pelas mães por meio da placenta e do leite materno. "A gente começa a vacina a partir dos seis meses para que, quando os anticorpos maternos acabarem, elas já estejam protegidas pelas vacinas", explica a médica.>
Segundo a pediatra, é muito importante que a imunização contra Covid chegue para as crianças abaixo de cinco anos e que avance entre aquelas de 5 a 11 anos. A taxa de vacinação nessa faixa está em 37%.>
Para a médica, o movimento dos antivacina, ao espalhar boatos sobre eventos adversos graves que nunca existiram, não só assustou os pais sobre a imunização como também acabou com a percepção de risco, com o falso argumento de que a Covid não causa doença grave nas crianças. "Não é isso que a gente está vendo. A gente sempre priorizou os mais velhos, porque têm uma taxa de incidência maior, mas, com isso, as famílias entenderam que as crianças não correm riscos", afirma.>
O infectologista Ayub lembra também que muitos dos pais de crianças pequenas e mesmo os seus filhos maiores não estão com o esquema completo de vacinação. Com a alta circulação da variante ômicron, associada ao abandono das medidas de proteção, as chances de se infectarem e transmitirem para os seus bebês aumentam bastante. "O vírus da circulando e está pegando uma população de crianças que não tem proteção nenhuma. Já mata muito mais crianças do que a meningite, doença que todos os pais temem.">
Atualmente, a faixa etária entre zero e cinco anos se tornou a de maior risco de hospitalização pela doença, excetuando a população acima de 60 anos, segundo outra análise da Fiocruz. Em novembro, esse grupo não representava 5% dos casos semanais de Srag (Síndromes Respiratória Aguda Grave) por Covid-19 no país. De abril em diante, ele passou a responder por até 15% dos registros.>
Além dos casos agudos que podem complicar, um outro risco que as crianças correm é desenvolver a síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P). A taxa de mortalidade brasileira por uma essa síndrome está em 6%, quatro vezes superior à registrada pelos EUA.>
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