Publicado em 23 de fevereiro de 2021 às 19:44
- Atualizado há 5 anos
O possível efeito cascata provocado pela decisão da Quinta Turma do STJ de anular a quebra de sigilo bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos) é o que mais preocupa investigadores do caso das "rachadinhas" na Assembleia Legislativo do Rio de Janeiro. >
Há vias judiciais para se obter uma nova ordem de quebra de sigilo para conseguir, de novo, os dados sobre a movimentação financeira do filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e de seu suposto operador financeiro, Fabrício Queiroz.>
A denúncia já protocolada contra Flávio também pode ter como destino o arquivo, para que uma acusação seja apresentada com as novas provas.>
Contudo, a decisão ameaça provas colhidas que não podem ser apreendidas de novo, como celulares e comprovantes bancários. Para o MP-RJ (Ministério Público do Rio de Janeiro), elas corroboram os indícios da "rachadinha" expostos pelos dados das contas dos investigados.>
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Isso porque elas foram autorizadas com pedidos feitos pela Promotoria usando como base os dados da quebra de sigilo bancário, agora considerados ilegais.>
"Agora deu ruim", disse em mensagem de áudio o pai da ex-assessora Luiza Souza Paes ao ver a notícia sobre a movimentação financeira de Queiroz.>
"Comecei a tirar R$ 1.400", escreveu a ex-assessora Flávia da Silva em comprovante de transferência para Queiroz, indicando o seu salário real, debitado o valor repassado ao policial militar aposentado.>
A própria prisão de Queiroz, atualmente em regime domiciliar, está sob risco. Ela foi decretada com base em mensagens e anotações apreendidas com sua mulher, Márcia Aguiar. A decisão que autorizou as buscas teve como fundamento as quebras de sigilo agora anuladas.>
Outra importante prova na corda bamba são os dados telemáticos obtidos com pedido feito pelo MP-RJ baseado nas quebras de sigilo bancário. As informações permitiram que os investigadores mostrassem, a partir do tráfego de dados de antenas, que os ex-assessores de Flávio só usavam seus celulares em locais distantes da Assembleia.>
Contudo, esses dados, assim como os bancários, podem ser obtidos novamente com outra ordem judicial.>
Flávio foi denunciado pelo MP-RJ no ano passado sob acusação de peculato, lavagem de dinheiro, apropriação indébita e organização criminosa. Segundo os investigadores, o senador liderava uma quadrilha para recolher parte dos salários de ex-funcionários de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa para benefício pessoal.>
O valor total desviado dos cofres públicos, segundo o MP-RJ, foi de R$ 6,1 milhões.>
O efeito cascata ainda depende dos votos e acórdão a serem publicados. Ele pode ser determinado diretamente pelo STJ ou pode ser debatido no Órgão Especial do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), foro designado para analisar o caso do senador.>
Na sessão desta terça-feira (23), os ministros do STJ não mencionaram em suas falas o efeito imediato da decisão que estavam tomando.>
A anulação em sequência também pode ser revertida por um eventual recurso a ser apresentado pelo MP-RJ contra a decisão do STJ, a ser analisado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).>
Seria o primeiro ato do novo procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos, no caso do senador, após intensa articulação política para ser nomeado para o cargo pelo governador interino, Cláudio Castro (PSC), aliado de Bolsonaro.>
Nesse cenário, Mattos deve assumir novo protagonismo, já que a decisão atualmente vigente atribui ao procurador-geral a responsabilidade por refazer a investigação contra o senador.>
A quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio, Queiroz e outras 84 pessoas e nove empresas foi autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro.>
A medida permitiu o acesso aos dados financeiros dos investigados entre janeiro de 2007 e dezembro de 2018, período em que Queiroz esteve lotado no antigo gabinete de Flávio na Alerj.>
Foi a partir dos dados bancários que os investigadores identificaram que Queiroz recebeu depósitos de 12 ex-assessores do hoje senador, que somavam R$ 2,08 milhões.>
Esses ex-assessores também sacaram R$ 2,15 milhões, recursos que os promotores afirmam ter sido disponibilizados para a suposta organização criminosa.>
O MP-RJ ainda identificou a partir dos dados bancários um depósito de Queiroz de R$ 25 mil na conta de Fernanda Bolsonaro, uma semana antes de a mulher do senador quitar a entrada de um apartamento adquirido pelo casal.>
Os extratos também são relevantes para demonstrar a tese de que o senador fazia seus gastos com dinheiro vivo, já que as contas bancárias do casal não registram pagamentos de impostos e serviços quitados.>
Eles também apontam depósitos de R$ 159 mil na conta de Flávio sem origem identificada entre 2014 e 2018.>
Também estão na quebra de sigilo bancário os registros dos cheques de Queiroz e sua mulher para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que somam R$ 89 mil.>
O debate jurídico para tentar salvar as provas contra Flávio também depende de dois processos que ficaram pendentes.>
A Quinta Turma do STJ ainda precisa analisar a legalidade do compartilhamento de provas pelo Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras) com o MP-RJ no caso, bem como da autoridade do juiz Flávio Itabaiana de emitir decisões, considerando que o TJ-RJ entendeu que o senador tinha direito a foro especial.>
Caso o senador obtenha nova vitória nesses recursos, as provas ficam em situação ainda mais frágil.>
O emaranhado de debates judiciais, certamente, adia ainda mais a eventual mudança de status criminal do senador de acusado para réu, caso o Órgão Especial aceitasse a denúncia contra ele.>
A discussão desta terça girou em torno da fundamentação de Itabaiana na decisão que autorizou a quebra de sigilo bancário e fiscal.>
A determinação do magistrado foi atacada por advogados do caso por não ter apresentado os fundamentos de sua decisão. A justificativa do magistrado em abril de 2019 toma um parágrafo do documento, adotando as razões expostas pelo Ministério Público em 87 páginas.>
Em junho de 2019, ao autorizar a quebra de sigilo de outros investigados, ele aprofundou sua fundamentação para as medidas cautelares deferidas contra Flávio, Queiroz e outras 84 pessoas e nove empresas dois meses antes.>
Os ministros entenderam que a fundamentação, da forma como foi feita, não tem validade jurídica.>
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