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'A gente está perdendo o hábito de debater'

"A gente está perdendo o hábito de debater"

Para pesquisadora em mídias sociais da PUC São Paulo, sair das bolhas é um jeito de não cair em fake news

Publicado em 4 de setembro de 2018 às 23:56

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Em tempos em que as notícias falsas são compartilhadas de forma acelerada nas redes sociais, sobretudo no período eleitoral, sair das bolhas é um dos caminhos para não cair nas "fake news". É o que diz a jornalista, pesquisadora em mídias sociais e professora da PUC São Paulo, Pollyana Ferrari.

"Sair das bolhas é sempre um jeito de não cair tanto em fake news pelos algoritmos, pela informação que é replicada para você. A gente está perdendo o hábito de debater. É o ódio, é o xingamento, é mais fácil bloquear do que discutir", afirmou a pesquisadora.

Pollyana esteve no Espírito Santo nesta terça-feira (4) para uma palestra na Universidade de Vila Velha (UVV) sobre os reflexos das fake news no cotidiano e nas empresas. Na ocasião, ela também lançou o livro "Como Sair das Bolhas", que debate sobre fake news e a batalha para combatê-las.

Para a jornalista, o combate às fake news vai acontecer quando as pessoas pararem de compartilhar as informações sem antes checarem, além de buscar saber sobre a fonte do que está sendo divulgado.

CONFIRA A ENTREVISTA

Notícias falsas sempre existiram. O que mudou para elas se tornarem tão populares?

Sempre existiram e é uma questão de escala. A gente chamava de boato antes. A partir do momento que todo mundo, com um celular, virou um ser de mídia se popularizou os boatos, divulgados por grupos de WhatsApp. Há facilidade de manipular uma imagem, um vídeo, um áudio. A partir da eleição do Donald Trump, em 2016, quando ele usou de fake news para se eleger, o mundo começou a discutir mais isso e teve uma volta. Eu falo que a eleição do Trump (é contrassenso dizer isso) acabou fazendo bem ao jornalismo, porque as pessoas começaram a voltar a pensar que não dá para se informar pelo grupo do WhatsApp ou pelo Facebook. Era preciso ter a assinatura de um jornal, de um produto, saber quem é a fonte, quem está falando aquilo, se foi checado, de onde veio aquela foto. Foi um momento de discutir. Depois, com eleições, com a questão de manipulação, o brasileiro em 2018 está discutindo muito fake news. A gente vem discutindo, falando muito dessa ameaça desde 2016. Sempre existiu, mas está em uma escala cada vez maior.

Quais os riscos das fake news no processo político?

É um risco muito absurdo, porque quase todo candidato ou partido tem o seu escritório de fake news. Tem muita gente ganhando dinheiro com isso. Ninguém vai te dar um cartãozinho e falar "oi, eu faço fake news", mas a gente sabe que tem e essa polarização. Mas a quem interessa isso? Pode ser um outro partido que quer destruir, pode ser alguém que tenha algum interesse. Sempre alguém tem um interesse e é sempre um interesse ruim, uma coisa de prejudicar o outro. A gente vai criando essas polarizações. É a direita contra a esquerda. E cria essa confusão. Véspera de eleição é muito complicada, principalmente por grupos de WhatsApp, que a gente sabe que é o que mais acontece. Bem pertinho da eleição, uma semana antes, vai ter fake news para mudar a urna, para mudar a intenção de voto. É um risco mesmo.

Como identificar as fake news?

Sempre duvide. Pode ser um áudio que o seu avô mandou no grupo da família, mas duvide e tente ver a fonte. Quem assina aquela informação? Onde está hospedado esse site onde eu recebi esse link, é um domínio fora do Brasil? É um domínio aqui? É um veículo que assina? É uma jornalista de tal jornal ou de tal emissora? Não, ninguém assina. Normalmente eles misturam dados antigos com informação recente, foto que já foi usada anteriormente. Essa manipulação ficou muito fácil, mexer em uma imagem. Então, você sempre tem que checar de onde veio e não compartilhar, porque a gente também é responsável por compartilhar. Não é só não produzir, é não compartilhar. Normalmente tem adjetivação, são títulos muito fortes, sensacionalistas. Aí você vai ver a informação que está no título e não está na informação. O layout imita um jornal, imita um portal, vai parecer que é um portal. Os nomes são parecidos. E cada vez está ficando mais sofisticado, porque uma coisa é você ter uma fake news muito óbvia e outra vai sofisticando. Todo o cidadão vai ter que olhar isso.

A senhora acredita que tecnologia impulsiona a propagação de notícias falsas?

Para o bem e para o mal, as redes só impulsionam. Tem coisas muito boas nas redes, a gente teve um avanço da discussão de gênero, um avanço na discussão de denúncias, mas também impulsiona o mal. A gente tem que começar a ter mais autocontrole do que a gente compartilha, do que a gente dá like, o que a gente põe no grupo da família, avisar e falar que a informação é falsa. Acho que é um novo momento da gente não dar tanto crédito para o que a gente recebe, seja vídeo ou texto, sem checar.

O termo fake news tem sido aplicado de forma inadequada atualmente. Alguns pesquisadores até falam que o termo correto seria desinformação. Como a senhora avalia isso?

Como tem essa dualidade, você pega um Trump, por exemplo, que quando a imprensa fala que ele está mentindo, ele diz que é fake news. Ele inverte. A pessoa se apropria daquilo e fala que é a imprensa que está mentindo. E cria essa distorção. Como é maior que só a notícia, falam para tirar o nome fake news e usar desinformação. Eu, particularmente, acho que o termo foi bom porque viralizou. Todo mundo fala. Brasileiro não fala notícia falsa, ele já fala fake news. Esse bordão para discussão é bom. Esvazia um pouco se a gente começar a detalhar a terminologia. No meu ponto de vista, acho que a discussão é boa. Você começa mais pessoas discutirem isso. Eu acho isso produtivo.

No seu livro, a senhora fala sobre as bolhas e como sair delas. Como se dá a propagação de fake news nas bolhas e como sair delas?

A polarização está tão absurda, a gente nunca viveu tanta polarização nas redes no Brasil como nesse momento. Cria-se os discursos de ódio e as pessoas foram limpando suas timelines. Então, não tem discussão, se ela é de esquerda, a timeline é só de esquerda. Se ela é de direita, a timeline é só de direita. Só que o mundo é plural. O seu vizinho pensa diferente e aí como o algoritmo do Facebook e das redes reproduz o que você mais vê, você começa a receber só coisas da sua bolha. Então, quando chega alguma informação diferente, você já está propenso a compartilhar. Você nem checa, porque aquilo é tão acintoso para você. A zona de conforto que a gente fica na bolha não enxerga. É até um risco para candidatos que pensam que a base está resolvida e não enxerga o que pensa o outro. Sair das bolhas é sempre um jeito de ir furando e não cair tanto em fake news pelos algoritmos, pela informação que é replicada para você. A gente está perdendo o hábito de debater. É o ódio, é o xingamento, é mais fácil bloquear do que discutir.

Todo mundo está sujeito ser vítima de fake news? É um motivo de preocupação para as empresas, por exemplo?

Todo mundo está sujeito. Esse ano, o brasileiro começou a falar fake news, mas 2019 a gente vai começar a ver, passando a eleição, muita fake news entre marcas. A concorrência vai usar de fake news para destruir um produto, o mercado corporativo vai ter que estar preparado a ter equipes de antídoto para perceber se for vítima de uma fake news como responder, como fazer. Vai além de política. Acho que vamos ver isso em marcas.

Como diminuir o impacto das fake news? Como a senhora vê a atuação das agências de checagem nesse processo?

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Eu acho que é bem favorável esse momento das agências. Eu acho até que é um mercado de trabalho para os jornalistas, fora de redações. Elas prestam serviços, seja para marcas, seja para clubes, para redações. Acho que você ter um jornalismo de checagem, que está mudando o jeito. Antes, quando a notícia não era verdadeira você não publicava. Agora, você publica e explica para o leitor porque é falso. Mas também em um país deste tamanho, com três agências de checagem (Pública, Lupa e Aos Fatos), é um pouco como enxugar gelo. Você explica uma coisa e aparece mais cinco. Acho que tem essa coisa de você não compartilhar. Não compartilha antes de ter certeza. Qualquer coisa. Não compartilhe. Tem esse movimento de não compartilhar e checar e o movimento de profissionais checando e mostrando que aquilo é mentira. É um novo momento de você receber informação, sabendo que ela está etiquetada. Acho que a gente está mudando um pouco de estilo de consumir informação.

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