O Web Summit 2025 terminou com uma sensação incomum para um evento historicamente acostumado a anunciar revoluções: desta vez, o futuro não estava no novo gadget, no algoritmo mais poderoso ou na próxima onda de startups. O futuro, segundo praticamente todos os palcos do festival, dependia de algo muito mais antigo — e hoje bastante raro: confiança. Confiança nas empresas, nos governos, na imprensa, nas plataformas, na economia criativa e, cada vez mais, confiança na própria inteligência artificial que estamos colocando no centro da vida cotidiana. Foi ela, “trust”, a palavra que atravessou toda a edição.
O evento recebeu 71.386 pessoas de 157 países, impulsionado por quase 2.700 startups e o maior número de investidores da história do Web Summit. A energia empreendedora estava ali, evidente, mas envolta por um novo tipo de cautela. Depois de anos de entusiasmo quase irrefletido com a IA, 2025 se tornou o ano do pé no chão. Não exatamente um freio, mas uma espécie de consenso: a tecnologia só avança se conseguir cumprir, com transparência e responsabilidade, o que promete entregar.
A nova geopolítica da inovação
A abertura, conduzida por Paddy Cosgrave, sintetizou essa mudança. Em um discurso menos triunfalista e mais geopolítico, ele apontou três deslocamentos recentes no mapa da inovação: “AI é China, pagamentos é Brasil, startups são Polônia”. E o Brasil, de fato, subiu ao palco. O PIX – que completa cinco anos transformando a economia brasileira – foi apresentado no Centre Stage como referência mundial de eficiência, inclusão e velocidade. Para um país que por tanto tempo se viu como espectador tardio das inovações globais, ver seu sistema de pagamentos tratado como modelo deixou claro o quanto o Sul Global está redesenhando as fronteiras do digital.
Essa redistribuição de forças também ficou evidente no público. A presença de 268 delegações governamentais – incluindo Brasil, Angola, México, Índia, China e Qatar – mostrou que tecnologia já não é apenas assunto de startups e big techs. Ela virou política pública, diplomacia, infraestrutura crítica e instrumento econômico que redefine quem lidera e quem segue. Nesse contexto, confiança deixou de ser valor abstrato e passou a ser pré-requisito estratégico.
Mídia e creators em busca de autenticidade
O tema apareceu ainda nos debates sobre mídia. Representantes de grandes veículos discutiram como mudanças tecnológicas – especialmente IA generativa e plataformas sociais – alteraram a forma como o público se relaciona com informação. Em um mundo onde qualquer pessoa pode publicar, editar e distribuir conteúdo instantaneamente, o jornalismo profissional ganha uma missão renovada: servir como âncora de confiabilidade em meio ao excesso.
Na creator economy, o debate assumiu outro tom. Na abertura, surgiram números impressionantes: a economia dos criadores se aproxima de meio trilhão de dólares, e 88% dos creators de alto desempenho já ganham mais de US$ 100 mil por ano. Mas o momento mais emblemático veio de Khaby Lame, o maior criador do TikTok, ao afirmar que autenticidade segue sendo o diferencial humano em um mundo inundado por conteúdo automatizado. Sua fala, simples e direta, parecia resumir a sensibilidade do ano: o público confia menos em perfeição e mais no que parece real.
A era dos agentes: o próximo salto da IA
Se a imprensa discute como preservar a confiança e os criadores tentam não perdê-la, a indústria da IA, por sua vez, tenta construí-la. No Web Summit 2025, isso ficou evidente na discussão sobre a chegada dos agentes: sistemas capazes de entender contexto, intenção e preferências, que substituirão em breve boa parte da lógica de aplicativos. A visão apresentada é que tanto empresas quanto indivíduos terão “times de agentes” trabalhando ao lado de humanos, automatizando tarefas, antecipando necessidades e coordenando processos de forma contínua.
Nesse cenário, a Qualcomm, liderada pelo brasileiro Cristiano Amon, insistiu que a próxima disputa estratégica da IA não acontecerá apenas nos modelos, mas nos chips. Com processamento mais potente diretamente no dispositivo, esses agentes funcionarão de forma mais rápida, privada e integrada ao cotidiano, reduzindo a dependência da nuvem.
O contraponto veio de Tim Berners-Lee, criador da World Wide Web, que lembrou que nenhuma dessas inovações será realmente transformadora se não devolver ao usuário o controle sobre seus dados. Sem interoperabilidade e autonomia, alertou, os agentes podem replicar – em escala maior – os vícios das plataformas atuais. Sua fala trouxe o lembrete essencial de que, por trás de qualquer avanço técnico, há uma discussão mais profunda sobre governança e liberdade individual.
Até o esporte vira laboratório de confiança
Até o esporte apareceu como laboratório desse novo ciclo. Maria Sharapova, em conversa com a IBM, mostrou como a IA está transformando a preparação de atletas, a análise de jogos e até a longevidade esportiva. Ali, mais uma vez, confiança era o eixo: confiar em modelos, confiar em dados, confiar em sistemas capazes de interpretar o que a leitura humana demoraria horas.
Ao fim dos três dias, o Web Summit 2025 parecia menos interessado em prever o próximo unicórnio e mais comprometido em entender quais relações de confiança precisam ser reconstruídas – e quem terá legitimidade para reconstruí-las. O crescimento das startups polonesas, o fortalecimento de ecossistemas africanos, o Brasil como protagonista em pagamentos e a ascensão asiática em IA mostraram que o futuro não tem mais centro único. É distribuído – e, justamente por isso, exige confiança distribuída.
Se 2023 foi o ano da euforia da IA e 2024 o ano da regulamentação, 2025 surge como o ano da lucidez. A tecnologia finalmente reconhece que precisa reconquistar o público e que, sem confiança, não há futuro possível. O Web Summit deixou uma mensagem menos ruidosa e mais definitiva: o debate não é sobre o que a IA, a mídia ou os sistemas digitais podem fazer, mas sobre o que queremos construir com eles. E talvez essa seja, depois de muita velocidade, a conversa mais importante para ter agora.
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