Marcos Ramos*
Existem assuntos que estão fora de nossa alçada. Diante deles, há quem prefira não opinar ou comentar sobre, seja pela falta de (in)formação em relação a determinado assunto, seja pela ausência de argumentos suficientes para defender uma possível ideia. Ótimo seria se tal comportamento fosse um fenômeno geral, infelizmente, esse não é o caso.
Fala-se do que não se sabe e com tal maestria que, quem ouve ou lê, é convencido de que seu interlocutor é portador de uma verdade incontestável.
Chega a ser irônico, eu sei, escrever para um artigo de opinião e problematizar exatamente esse assunto. Entretanto, não é a opinião em si que problematizo, mas a importância quase cega e protetora dada a tal discurso e a consequente aviltamento e descrédito destinados à ciência e aos dados e fatos.
Uma pesquisa feita pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações elaborou em parceria com o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), divulgada em junho, apontou que brasileiros confiam mais em líderes religiosos do que em cientistas. O estudou revelou também um significativo aumento no número de brasileiros – de 19% para 42% – que enxergam malefícios dentro do saber científico.
Parece haver uma ideia de que, hoje, especializar-se em algo é sinônimo de ter sido “doutrinado”. Enquanto falar superficialmente de um assunto sobre o qual não se tem (in)formação é, de certa forma, sinônimo de imparcialidade.
Estamos lidando com aspectos de uma “histeria coletiva” – possivelmente, incentivada pela ascensão da extrema-direita no poder – geradora de submissão a oratórias vazias e infundadas. Oratórias que, por consequência, nos levam a um estado de pós-verdade, onde fatos, pesquisas e dados nada mais dizem ou importam.
Questionam-se números, pesquisas e estudos, colocando-os dentro de uma caixinha chamada “viés ideológico”, quando não agradam e pronto. Um exemplo é que foi feito com o termo violência obstétrica, pelo Ministério da Saúde.
Depois disso, é ministro que questiona aquecimento global, sob o pretexto de ter presenciado “uma onda de frio em Roma”; é a exoneração do diretor do Inpe após a divulgação de números e provas visuais comprovando o crescimento exacerbado do desmatamento na Amazônia. E não nos esqueçamos, também, da pesquisa sobre o uso de drogas no Brasil, feita pelo Fiocruz, censurada pelo presidente, pois, nas palavras no ministro da Cidadania, o instituto possui um “viés de defender liberação das drogas”.
Parece que a nova regra é: se tais números não são favoráveis, consequentemente são alvo de dúvida e descrédito e, logo após, descartados.
Em tempos em que há a necessidade de defender coisas óbvias, tais tipos de declarações podem nos levar a um estado de demonização do estudo científico, à morte do especialista e, mais que isso, podem nos levar a um Brasil governado por aspirantes a “reis da Síria”, que mandam matar os mensageiros que lhes trazem notícias “não favoráveis”.
- Matem a ciência, eles dirão.
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* O autor é professor e mestre em Literatura pela Unesp
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