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Tchau, mãezinha! Os altos e baixos de Angela Merkel, que se despede do poder

Líder alemã foi sem dúvida uma figura de proa da política internacional nas primeiras duas décadas do século XXI. No entanto, não poucos analistas estão encarando a sua partida com alívio

  • José Vicente de Sá Pimentel É embaixador aposentado
Publicado em 26/09/2021 às 02h00
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A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, durante campanha eleitoral estadual em Munique, nesta sexta-feira (24). Crédito: Matthias Schrader/AP/Estadão Conteúdo

Nos voláteis tempos atuais, raros políticos mantiveram-se no poder durante tanto tempo quanto Angela Merkel. Ainda mais raros são aqueles que se comportaram com tamanha discrição e tamanho desinteresse em jogar para a plateia. Calma, cautelosa e consistente, foi denominada "a líder do mundo livre" pelo New York Times, devido a sua firme oposição aos descomedimentos de Donald Trump, título que a sua atuação diante da pandemia do Covid-19 só fez confirmar.

Foi sem dúvida uma figura de proa da política internacional nas primeiras duas décadas do século XXI. No entanto, não poucos analistas estão encarando a sua partida com alívio, como se a sua missão estivesse esgotada e agora a Alemanha precisa se preparar para o futuro.

Merkel foi a providencial timoneira da União Europeia em sérias turbulências, mas seus "pecados de omissão", nas palavras do historiador inglês Timothy Garton Ash, ainda vão dar muito trabalho. Sua liderança assegurou a unidade europeia na crise financeira de 2008 e na subsequente crise da dívida pública da Zona Euro, mas o superendividamento da Grécia não foi equacionado e segue ameaçando, como uma bomba relógio.

O acordo com a Turquia de 2016 organizou, minimamente, o fluxo de refugiados para os países europeus, porém está longe de representar uma solução duradoura para o problema. Os benefícios do acordo com a Rússia sobre o gasoduto Nord Stream 2 se tornam questionáveis à medida que a política externa de Vladimir Putin demonstra-se mais ousada.

O PIB alemão alçou-se a níveis recordes em 2019, impelido pelo superávit também recorde do comércio exterior, o qual, segundo os críticos, é por demais dependente das importações chinesas. Como um todo, a produção industrial alemã mantém-se eficiente, mas a matriz energética atual não levará à neutralidade de carbono em 2045, e a falta de objetivos mais ambiciosos para as emissões pode se tornar, a médio e longo prazos, desvantajosa para a indústria automobilística, cuja capacidade de inovação sofre com a agressividade das concorrentes americana e chinesa.

Outro óbice embaraçoso para um país das dimensões da Alemanha é o atraso digital (os turistas se espantam com a lentidão da internet alemã), ao passo que as enchentes de julho deixaram a descoberto a necessidade de preparar o país para as consequências da mudança climática.

Um outro flanco aberto é a posição alemã diante da insubordinação da Hungria e da Polônia a determinações da Corte de Justiça Europeia. Os governos ultraconservadores de János Áder e Andrzej Duda, que até aqui beneficiaram-se da condescendência de Angela Merkel, estão agora confrontados por multas de bilhões de euros, impostas pela Comissão Europeia. É de prever que o novo governo alemão apoiará essas medidas punitivas.

As pesquisas de opinião preveem que as eleições deste domingo para o Bundestag serão vencidas pelo Partido Social Democrata (SPD), que deverá suplantar o Partido Democrata Cristão de Angela Merkel. Olaf Scholz deverá ser o novo chanceler, ou chefe de governo. A margem da vitória será seguramente estreita e, assim, o SPD deverá formar uma coalizão com o Partido Verde e, provavelmente, com o Die Linke (A Esquerda).

Observamos, portanto, uma importante mudança dos ventos políticos nas relações internacionais. Com Joe Biden na Casa Branca, Justin Trudeau confirmado para um terceiro mandato no Canadá e governos de esquerda ou centro-esquerda na Noruega, Itália, Espanha, Portugal e agora também na Alemanha, a ênfase na austeridade deve arrefecer e recolocar as políticas de estímulo ao emprego, à saúde pública e à proteção do meio ambiente no topo da agenda mundial.

Em recente artigo para a Tagesspiegel, a jornalista alemã Anna Sauerbrey refere-se ao imenso cartaz armado no centro de Berlim com os dizeres "Tschuss Mutti",  que podem ser traduzidos como "Tchau, mãezinha", e prevê que muitos alemães hão de lembrar com saudade de Angela Merkel. Não obstante, acrescenta: já deu, está na hora. Tchau, mamãezinha.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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