O advento das inteligências artificiais generativas nos fez acreditar que o simples ato de digitar algumas palavras já é suficiente para receber uma resposta irretocável, quase instantaneamente. Esse fascínio alimentou a crença de que o “prompt perfeito” seria o novo superpoder da era digital. Mas essa visão é limitada. A qualidade do que a IA produz depende menos do comando e mais do repertório de quem sustenta o diálogo.
Repertório não é um conceito abstrato: envolve conhecimento factual, estruturas mentais que organizam o pensamento, sensibilidade ética e estética, além da experiência aplicável. A IA moderna relaciona dados, padrões, escreve com coerência e nuance. Não faz sentido tratá-la como um “Google turbinado”. Em muitos contextos, já atribui sentido, propõe interpretações, aponta tensões e levanta críticas pertinentes.
Nota-se, porém, que duas pessoas interagindo com a mesma IA chegam a resultados diferentes. Quem tem referências, vivência intelectual e bagagem emocional tende a pedir aprofundamento, apontar ajustes, requerer contra-argumentos e, sobretudo, avaliar o que faz sentido. Já quem tem pouco repertório tende a aceitar a primeira resposta, sem perceber quando ela é rasa, enviesada ou inadequada. A aparente confiança da IA, mesmo quando erra, torna o juízo humano necessário.
Ainda assim, não se trata de afirmar que só quem já tem muita bagagem pode usar bem a tecnologia. Ao contrário: a IA permite construir repertório em ritmo acelerado. Surge, então, uma meta-habilidade essencial: saber iterar. Começar com uma pergunta imperfeita, reconhecer quando a resposta ressoa ou não, e refinar o diálogo até que surja um entendimento mais profundo.
A zona ideal do aprendizado não é tão fácil a ponto de entediar, nem tão difícil a ponto de bloquear. Isso tem impacto direto no prazer de aprender e na motivação para continuar estudando. Precisamos formar jovens capazes de ampliar o mundo com a tecnologia e não terceirizar o próprio pensamento.
Na antiguidade clássica, Aristóteles já diferenciava o conhecimento teórico da sabedoria prática. A IA pode organizar argumentos aristotélicos, mas aplicar esses critérios em situações reais continua sendo tarefa humana. A máquina sugere caminhos; quem responde moralmente por eles ainda somos nós.
O que permanece é a centralidade do repertório. A IA não substitui estudo e a reflexão, os torna ainda mais necessários e acessíveis. Num mundo em que muitos tem as mesmas ferramentas, o diferencial continua sendo a profundidade do raciocínio humano, agora potencializado por uma tecnologia que nos desafia a pensar melhor.
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