Kelder José Brandão Figueira*
É cada vez mais visível o número de igrejas pentecostais que surgem a cada dia, principalmente, mas não exclusivamente, nas periferias. Há cinco anos, no último levantamento que coordenei, na região da Paróquia de São Pedro, Nova Palestina, em Vitória, eram cerca de 170. Certamente esse número não é mais o mesmo. Na Paróquia Santa Teresa de Calcutá, são cerca de 90.
É evidente a relação entre o pentecostalismo, o pobre e a ausência do poder público e de instituições religiosas históricas nas periferias, que compreendam a forma como os moradores se relacionam com o Sagrado e com os sofrimentos do dia a dia do povo que não tem voz e nem vez, em uma sociedade cada vez mais desumana. Tema deste sétimo e último artigo que compõe uma série, em que narrei a descoberta de valores cristãos na relação com os traficantes.
Um jovem traficante começou a participar de uma das comunidades da paróquia, acompanhando a namorada. Costumo ir a pé para as comunidades. Em janeiro, cheguei muito suado, com a camisa completamente molhada para celebrar. Pedi a uma catequista que me emprestasse uma camisa do marido ou do filho dela. Ela pediu a filha que me emprestasse a camisa do namorado que estava na casa dela. Era a camisa deste jovem traficante.
Padre Kelder
Ela me respondeu que ia deixar o jovem usar a camisa com o suor do padre para ver se ele tomava juízo
Após a missa, ao devolver a camisa, que também ficara encharcada de suor, perguntei se ela queria que eu levasse para lavar. Ela me respondeu que ia deixar o jovem usar a camisa com o suor do padre para ver se ele tomava juízo.
Perguntei por ele. Fui informado que ele havia machucado o pé fugindo de uma abordagem policial. Fui até a casa dele visitá-lo. O pé estava ferido. Brinquei, perguntado se ele havia machucado o pé ao ajoelhar-se na igreja. Ele, muito envergonhado, contou o que aconteceu. Pouco depois, ele terminou o namoro e deixou de frequentar a Comunidade.
Recentemente, ao subir o morro, ele me abordou. Não o reconheci de imediato. Estava usando roupa social, indo para a Igreja, com uma Bíblia na mão. Diante de minha surpresa, ele perguntou se não o estava reconhecendo. Perguntei se ele estava me traindo com o pastor. Rimos. Ele segurou a Bíblia com orgulho e disse: “Agora essa é a minha arma! Minha espada de fogo”.
Despedi-me dele e continuei subindo o morro para celebrar a missa e pensando como são misteriosos e diversos os caminhos de Deus. Tenho encontrado constantemente com ele. Relatando este acontecimento a um pastor da Igreja Batista, doutor em pentecostalismo, ele riu e disse: “Como são as coisas: o suor do padre gerou um neopentecostal”.
Encerro essa série de artigos escrita com o intuito de ajudar na superação do preconceito e do medo que nos afastam uns dos outros.
Este vídeo pode te interessar
*O autor é vigário episcopal para Ação Social, Política e Ecumênica da Arquidiocese de Vitória
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.