Júlio C. Fabris*
“A Terra é azul”. A frase poética do cosmonauta russo Yuri Gagarin, primeiro homem a ir ao espaço, em 12 de abril de 1961, marcou a primeira visão externa da Terra. Marcou também o início de uma árdua disputa política, científica e tecnológica que teria, em seu outro extremo, a frase de efeito do astronauta americano Neil Armstrong ao pisar na lua há 50 anos, em 20 de julho de 1969: “um pequeno passo para o homem, mas um grande passo para a humanidade”. Vivia-se em um mundo polarizado entre o bloco capitalista e o bloco socialista, e o espaço era objeto de interesse não apenas científico, mas também político, econômico e militar.
Para os norte-americanos, Gagarin representou um indicador inquestionável que eles estavam sendo seriamente ameaçados no plano científico e tecnológico. E atraso científico e tecnológico significa submissão política, militar e econômica. Tomou-se então a decisão de levar o homem a pisar na Lua antes do final da década.
Para alcançar esse objetivo, o procedimento foi claro: investimento massivo em ciência e tecnologia e reforma profunda no sistema educacional. Os melhores cientistas participaram dessa reformulação, em todas as áreas do conhecimento (o saber é único, e não se pode enfocar um domínio do conhecimento sem abordar os demais). A aposta foi ganha: não apenas Armstrong pisava na Lua, como os EUA retomavam a preeminência científica e tecnológica.
A corrida espacial simboliza a indissolúvel associação entre a ciência fundamental, que visa ao puro conhecimento da natureza, e a ciência aplicada, que visa a gerar tecnologia. A exploração do espaço se ancorou nos grandes triunfos fundamentais da ciência, da Mecânica de Newton à Mecânica Quântica de Heisenberg e Schrödinger, com pitadas da moderna teoria da Gravitação, a Relatividade Geral. Quem quiser se manter na dianteira tecnológica terá que também priorizar a ciência fundamental, e isso foi entendido pelos principais atores do mundo atual.
Em palestra recente na Ufes, o presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luís Davidovich, ressaltou que talvez a “aposta Lua” no Brasil de hoje seja a biodiversidade. A Amazônia é responsável por mais de 20% das espécies existentes no planeta. A preservação, pesquisa e exploração sustentável dessa biodiversidade poderia alçar o Brasil, do ponto de vista científico e tecnológico, a uma liderança mundial. Infelizmente, parece que trilhamos o caminho oposto. Os investimentos são parcos e descontínuos, e o nosso sistema de ensino se vê desidratado.
Mas, se o Brasil renuncia ao protagonismo científico e tecnológico que se deveria esperar de um país de 210 milhões de habitantes, outros países continuam a acumular novos sucessos. Os atores centrais no mundo não podem abrir mão da ciência, sob risco de comprometerem sua posição de preeminência. Não são poucas as reflexões a fazer a partir disto.
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*O autor é doutor em Física, pesquisador do CNPq e professor da Ufes
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