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Marcelo Altoé é secretário de Estado da Fazenda do Espírito Santo

Notas preliminares sobre a reforma tributária

Após frustradas tentativas de promover transformações de largo alcance, o tema tornou a ocupar o centro do debate político, numa conjuntura que se mostra particularmente propícia à sua aprovação

  • Por dentro da reforma tributária Marcelo Altoé é secretário de Estado da Fazenda do Espírito Santo
Publicado em 10/03/2023 às 00h05

Há décadas se reclama, no Brasil, a realização de uma ampla reforma tributária, que seja capaz de refundar as bases do Sistema Tributário Nacional consagrado pela Constituição de 1988. Conquanto registradas múltiplas alterações na legislação tributária e mesmo na Constituição Federal nos últimos 30 anos, nenhuma delas tocou nos eixos estruturantes do atual modelo, cujas disfuncionalidades insuflam, hoje, os esforços pela sua renovação.

Após frustradas tentativas de promover transformações de largo alcance em legislaturas pretéritas, o tema tornou a ocupar o centro do debate político e, numa conjuntura que se mostra particularmente propícia à sua aprovação, são fortes os indicativos de que a reforma tributária, enfim, se despojará das vestes utópicas que pareciam reduzi-la à condição de eterna e inexequível promessa na realidade brasileira.

É relevante notar que esse engessamento do sistema tributário se deve, em parte, à opção do constituinte originário de delinear as suas feições, primariamente, no próprio texto da Constituição. Com isso, destoou o Brasil da hodierna tendência internacional de adstringir à disciplina constitucional somente o núcleo principiológico ordenador do sistema tributário, delegando ao legislador ordinário a tarefa de concretizar os moldes específicos em que exercidos a soberania fiscal do Estado e o poder de tributar.

Na Constituição de 1988, encontra-se desenhado o Sistema Tributário Nacional sob uma arquitetura normativa complexa, que abrange a distribuição de competências tributárias, os direitos e garantias fundamentais do contribuinte e a repartição das receitas. Esse quadro subordina transformações mais profundas do sistema tributário ao rito das emendas constitucionais, cujo maior rigor em comparação aos procedimentos de alteração da legislação ordinária traduz importante corolário da rigidez da Carta Republicana vigente.

Sem embargo dessas dificuldades, verifica-se hoje, como dito, uma conjuntura favorável ao avanço da reforma tributária, vis-à-vis uma inédita confluência de interesses entre governo federal, parlamento, mercado e sociedade civil. A tarefa, porém, é árdua. As propostas em deliberação desafiam questões políticas de alta voltagem, sobretudo as que envolvem estados e municípios.

As proposições de extinguir tributos inseridos nas esferas de competência desses entes (a exemplo do ICMS e do ISS) afetam sensivelmente os atuais níveis de arrecadação de parte deles, fator que dificulta a construção de consensos ou, ao menos, de amplas convergências sob o ângulo do pacto federativo. O processo de negociações é longo e requererá habilidade política para equacionar os inúmeros interesses em colidência.

Nestas notas preliminares à reforma tributária, é preciso compreender, à partida, o núcleo do que se pretende remodelar. Em linhas gerais, a literatura especializada identifica, contemporaneamente, três bases principais de materialidade tributável: consumo, renda e patrimônio.

Ainda sob divergências, o trânsito político tem sinalizado uma reforma tributária que contemple essas três frentes, embora segmentada em etapas, com prioridade inicial atribuída à tributação sobre o consumo. Nesse sentido, encontram-se em avançada tramitação no Congresso Nacional duas Propostas de Emenda à Constituição (PEC) vocacionadas a implementar a primeira fase da reforma.

Trata-se das PECs 45 e 110, originadas, respectivamente, na Câmara dos Deputados e no Senado Federal, as quais teremos ocasião de esquadrinhar neste espaço. Encetados os debates parlamentares ainda em 2019, já se tem acumulada uma significativa massa crítica sobre o tema, inclusive com a participação de especialistas de renome internacional e de representantes dos diversos setores produtivos que compõem a economia brasileira, circunstância que decerto abreviará o caminho até a votação do texto final.

Na série de artigos que hoje se inaugura, abordaremos as principais questões que gravitam em torno da reforma tributária, incluindo aspectos técnicos, polêmicas, dificuldades e potenciais impactos para o Estado do Espírito Santo. Objetiva-se, com essa iniciativa, contribuir para o debate público pari passu com o avanço das deliberações no Congresso e, em especial, dialogar com a sociedade capixaba, no calor da hora, acerca de uma temática que, não há exagero em dizer, definirá o futuro de curto, médio e longo prazo do país.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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