Tudo aquilo que um dia fez parte de nossas vidas, sem que a gente se desse conta, foi-se perdendo na poeira da estrada. Não falo de pessoas. Mas de coisas substantivas como o pião, o escaldado de galinha, os boleros, os besouros do amendoim que se comia no café da manhã, coisas assim.
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Expressões do dia a dia também foram ficando nas curvas do caminho. Assim é que hoje ninguém mais morre. Todo mundo agora “vai a óbito”. E ninguém mais é operado. Sempre que houver uma indicação médica, o cidadão irá, sim, “passar por uma cirurgia”. E acabou essa história de sair por aí procurando, seja lá o que for. “Procurar” é verbo em desuso. Todos agora “demandam”. Apesar das limitações deste rebento. Namorados, por exemplo, certamente não demandarão uma prova de amor de sua namorada. Sob pena de cortar o clima.
As poucas exceções tendem a zero. Mesmo assim algumas são medalha de ouro. É o caso do imperativo “racha fora!”. Sua sucessora “vaza!” ficou com o cinturão. Ao contrário da estreante “sextou”, que veio substituir a adorável ameaça safada “hoje o pau vai quebrar!”. “Sextou” sonha em se manter no pódio. Mas não vejo muitas chances. Assim caminha a humanidade. E acho natural que assim seja. O que não impede as minhas dores de cotovelo pontuais. Aliás, esse tipo de dor também foi para o beleléu. Olha aí mais uma que dançou. E o “dançou”, com esse sentido, também foi a óbito.
Uma outra valiosa expressão segue altaneira, sempre na ponta da língua de todos. Até daqueles que não têm a mínima ideia de como surgiu: “A ficha caiu”. E vai continuar “per omnia saecula saeculorum”. Epa! Latim numa hora dessas? Desde que os padres passaram a trocar o altar pelos palcos, a tal língua morta subiu aos céus. Mas os advogados ainda batem uma bolinha com ela.
É lamentável o desaparecimento de expressões populares, velhas companheiras de viagem. O “ei”, por exemplo. Por onde andará? Ele era o fiel tradutor da alegria, a cada topada que se dava com alguém conhecido. “Ei, como vai?” Era assim que todos os amigos e conhecidos se saudavam. A expressão acabou mais tarde dividindo espaço com o “oi” e juntos foram nossos parceiros por muitos e muitos anos. Até trombarem de frente com a atual e pernóstica “olá!”, uma expressão carregada de rímel. Sonhando um dia virar “hello”, aposto.
E é uma pena que não exista, nestes tempos em que vivemos, um adjetivo que, sozinho, consiga qualificar à altura um cidadão de poucas luzes. Até que para poucas luzes existe: zero à esquerda, tosco... Mas para um pobre coitado de plantão, um equívoco ambulante, só pedindo socorro a Machado de Assis: “Certas pessoas não aumentam o mundo quando nascem e nem o diminuem quando morrem”.
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Parece perfeito. Mas eu, que não chego aos pés do autor de Dom Casmurro, cato na memória um comentário que ouvi de meu pai sobre uma figura política deplorável dos anos 50: “Aquilo é uma besta quadrada!”.
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