Não dá para vencer o crime sem recorrer à economia e à política

Qualquer estratégia deve partir do conhecimento de si mesmo e do adversário, ou estamos fadados a enxugar nosso próprio gelo

Publicado em 06/09/2019 às 22h38
Atualizado em 29/09/2019 às 14h42

Violência

Henrique Geaquinto Herkenhoff e Edson Lunardi*

Tendemos a imaginar que as guerras são ganhas ou perdidas em campo de batalha, preferencialmente em um último duelo individual entre o vilão e o mocinho, como no cinema. Nada mais equivocado. Os fatores decisivos são a economia e a política, como podemos ver na guerra do Vietnã: os norte-americanos simplesmente não suportavam mais as imagens de atrocidades cometidas contra um “inimigo” de que nunca haviam ouvido falar, nem receber os corpos de seus jovens, ainda que as baixas entre os vietnamitas fossem 20 vezes maiores. Os EUA só “perderam” na política interna do país.

Não é diferente quando falamos em enfrentar o crime, especialmente quando este busca vantagem financeira: ao contrário do que vemos nos filmes, efetuar uma prisão não é um fim em si mesmo, apenas um meio, entre muitos, de atingir objetivos estratégicos, econômicos e políticos.

Olhando do ponto de vista de um economista, o tráfico é uma cadeia produtiva como outra qualquer, apenas com a peculiaridade de ser inteiramente ilícita. O custo dos entorpecentes, em si mesmo, é irrelevante: são vegetais abundantes e produtos químicos muito baratos; é o risco que agrega um valor gigantesco cada vez que a substância atravessa uma fronteira ou é vendida em porções menores.

Isto significa que as prisões e apreensões podem ser muito ruins individualmente para traficante apanhado, mas são irrelevantes para o “setor produtivo”. Acontece que é extremamente caro realizá-las, como também processar e manter alguém encarcerado, mesmo nas piores condições.

Imagine-se que cada bomba atirada no adversário custe 100 vezes mais do que ela destrói... Acrescente-se que essas bombas são lançadas, sem escolher muito o alvo. Não é à toa que travamos, há mais de 100 anos, uma guerra inglória contra as drogas; é improvável vencer quando ficamos com as despesas e o adversário, com o lucro; quando os prisioneiros que fazemos são indiferentes ao inimigo e só nos servem como fonte de custo. Mesmo rastrear e confiscar o dinheiro do tráfico custa mais do que recuperamos.

Qualquer estratégia deve partir do conhecimento de si mesmo e do adversário: ou estudamos a cadeia de valor do tráfico, os processos produtivos etc., ou estamos fadados a enxugar um gelo que nós próprios produzimos; ou reconhecemos nossas limitações, ou cairemos sob o peso de nossas próprias armaduras. Como no bordão de campanha do presidente Clinton, não dá para cuidar da segurança pública sem recorrer aos economistas todo o tempo.

*Os autores são, respectivamente, professor do mestrado em Segurança Pública da UVV; e coronel EB R1 e doutor em Ciências Militares

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.