Lucas Lagasse Corrêa*
Quem não ficou com o coração enternecido ao lermos as anedotas publicadas neste espaço nas últimas semanas? Descobrimos que Cristo, dentre as acusações de ser um subversivo, rei dos judeus, filho de Deus, deve acrescentar à sua lista a pecha de traficante! Tantos anos de cristianismo, sobretudo, da existência da Igreja Católica no mundo e até hoje não se criou o dia de Cristo, rei dos traficantes. Numa religião que Cristo é traficante, Pablo Escobar deve ser considerado o quê? Deus?! E Fernandinho Beira-Mar, agora graduado em teologia?!
Desculpem-me, senhoras e senhores leitores, mas, o meu Cristo, o nosso Cristo, não é traficante. O que houve, na realidade é uma confusão própria de quem resolveu criar uma religião para si, como a religião do trance divino ou do spaghetti voador. De todo caso, uma criança de seis anos de idade sabe a máxima da Filosofia: os fins não justificam os meios.
Ou seja, em hipótese alguma uma ação má deve servir como meio para uma causa boa. Assim, por mais que o traficante venha a promover o bem-estar social para sua comunidade, utiliza-se de meios equivocados para fazê-lo: “Uma intenção boa (por exemplo, ajudar o próximo) não torna bom nem justo um comportamento desordenado em si mesmo” (Catecismo da Igreja Católica, § 1753).
O mesmo Catecismo (CIC) afirma que “a produção clandestina e o tráfico de drogas são práticas escandalosas; constituem uma cooperação direta com o mal, pois incitam a práticas gravemente contrárias à lei moral” (CIC § 2291). O que parece ir bem ao encontro do que diz as Escrituras no Salmo 5. Se afirmamos o contrário, que resposta daremos às pessoas, às mesmas mães e pais que: 1) tiveram as vidas de seus familiares ceifadas pelo crime; 2) que tiveram seus filhos aliciados pelo crime?
O que o autor dos textos não percebeu é que não há nenhum ser humano essencialmente mau. O mau, enquanto ser, não existe! Logo, todo ser humano é capaz de fazer o que é bom, ainda que tenha as práticas mais perversas. Ou um assassino em série não é capaz de fazer o bem? E os estupradores? E os pedófilos? E os corruptos? Fico a me imaginar se um dia alguém escreverá um texto chamado “Meu Cristo, estuprador”. Seguindo a lógica, tudo certo! Não são [os estupradores] tudo isso que estão falando! Não pareceria absurdo esse tipo de afirmação?
Sabemos que os bairros pobres são, sim, vítimas de preconceito. Esquecemos, às vezes, que a maior parte do povo que ali mora é gente honesta, capacitada, inteligente e repleta de bons exemplos de vida e superação e que, infelizmente, traficantes e outros criminosos mancham a imagem do bairro perante a sociedade.
Espanta ver que aqueles que defendem o desarmamento, uma sociedade pacífica, livre de violência, críticos do governo armamentista (que ora está numa igreja e ora está fazendo sinal de arma com a mão), defendam os que portam armas – pesadas - nas mãos e sejam assim abençoados. Por fim, penso que: ou meu Cristo é traficante ou caímos no conto do vigário. Fico com a última opção; e questiono: será que o vigário do bairro São Pedro “olha pro céu só para ver se vai chover”?
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*O autor é professor de Filosofia, mestrando e especialista em ensino religioso
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