Marcos Alencar*
Eu escolhia umas batatas doce Rainha, na feira da Gurigica, quando um sujeito simpático se aproximou dizendo-se meu admirador. Já havia lido dois ou três livros meus e era freguês madrugador (palavras dele) de minhas crônicas aqui neste Pensar.
Não consegui saber o seu nome já que ele falava mais do que eu. E então me contou do teólogo e escritor mineiro Rubem Alves. Guardei esse nome e uma frase dele, que seu conterrâneo (o sotaque era indiscutivelmente das Gerais) repetiu umas três vezes: “Um livro é um brinquedo. Ler é brincar”. Agradeço ao prezado leitor por colaborar com essa minha quinzenal brincadeira.
Adoro noites de autógrafos. Especialmente de duas de que não me esqueço. Em uma delas fui penetra
Realmente ler é brincar. Mas escrever dá trabalho. Daqui a pouco o “Vou te contar”, novo livro de Cariê Lindenberg, chegará às livrarias. Trezentas e cinquenta páginas de memórias do empresário, escritor, compositor e músico diletante. Um revelador passeio pelo tempo, repleto de boas histórias ,temperadas com muito bom humor. Antes iremos nos encontrar na noite de autógrafos. Onde, nós leitores, nos divertimos e, com inveja, o autor só espia por cima dos óculos.
Adoro noites de autógrafos. Especialmente de duas de que não me esqueço. Em uma delas fui penetra. Em outra, protagonista. Andava eu pelo Rio de Janeiro quando um amigo me levou para uma noite dessas numa galeria de arte no Leblon. Não tínhamos ideia nem da obra e nem do autor. Aos vinte e poucos anos eu queria mesmo era rock and roll. Havia um mundo de gente espalhada por dentro e pela calçada da galeria. Ficamos do lado de fora bebendo até eu me animar a dar - pelo menos – uma espiada na capa do livro e na figura do autor.
O livro era de poemas. E todos falavam de rosas. E a autora era uma simpática senhora no vigor dos seus 80 anos, com seus lindos cabelos azuis. No empurra-empurra acabei despejado numa sala menor onde amigos da poetisa declamavam seus versos. Um horror. Para sair daquela arapuca, só no “licença, licença...”, empurrando as pessoas, perturbando o sarau. Em pensamento ofereci aquele sacrifício a Deus e pedi uma graça. E fui atendido. O som pifou, todos começaram a falar ao mesmo tempo, e foi então que...vazei. Fugi correndo para bem longe dos espinhos daquele roseiral.
Anos mais tarde, em Vitória, no Britz Bar da Praia do Canto, recebia amigos, quando do lançamento do meu livro “Adoráveis Peruas”. Uma crítica soft às mulheres empetecadas da sociedade local dos anos 70. Muita gente. Um festão. À certa altura, havia uma longa fila esperando um autógrafo quando uma amiga, famosa por sua exagerada desenvoltura social, passou à frente de todos, trazendo pela mão uma jovem senhora. Apresentou-nos e a recém-chegada, lívida, trêmula, aflita, perguntou-me: “Seu livro traz a lista das peruas de Vitória?!”
“Claro que não”, respondi. E ela, ainda muito pálida, sorriu agradecida. E deixou escapar um “graças a Deus!”.
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*O autor é cronista
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