Melhora econômica pode conter radicalização, já inimizades permanecem

Os dados apontam estar em vigor desde 2010 um processo gradativo de desintegração de relações e convívio social no país, o que se acentuou a partir de 2013

Publicado em 16/08/2019 às 22h00
Atualizado em 29/09/2019 às 19h40

Radicalização política e partidária

Luan Sperandio*

33% dos democratas americanos e 49% dos republicanos afirmaram em 2010 que prefeririam não se relacionar afetivamente com pessoas de posição política diferente. Esse índice em 1960 era de apenas 5%, indicando a radicalização no país. Já levantamento da Pew Foundation de 2016 apontou que 70% dos democratas possuem medo dos republicanos, ao passo que 62% destes compartilham deste sentimento. Os números da animosidade partidária americana assustam, mas o panorama brasileiro atual pode ser ainda mais preocupante.

Sempre houve polarização, mas o Brasil atual vive uma radicalização. Segundo recente pesquisa do Instituto Ipsos, 32% dos brasileiros acreditam não valer a pena nem sequer tentar conversar com pessoas que tenham visões políticas diferentes das suas. Tamanha radicalização é inferior apenas à verificada na Índia e África do Sul.

Um terço dos brasileiros acreditam que quem possui visão política diferente das suas “não ligam de verdade para o futuro do país”. E pior: 39% entende que seus interlocutores não mudarão de opinião mesmo que sejam apresentados a evidências que demonstrem o contrário.

Os dados apontam estar em vigor um processo gradativo de desintegração de relações e convívio social no país desde 2010 e que se acentuou a partir de 2013. Entre os principais fatores se destacam a crise econômica, o aumento da fragmentação partidária e até os esquemas de corrupção revelados a partir da Lava Jato.

O fato de que o maior partido do país afirmou em todas as eleições presidenciais desde 2010 que a vitória de seu principal adversário representaria uma ameaça à democracia não ajuda, pois transforma eleitores de opiniões diferentes em inimigos. E a ascensão de Jair Bolsonaro se dá justamente em um contexto de conflito: como ele cresceu no conflito e se sente confortável a partir dele, deve continuar investindo nisso, resultando em mais divisões de opiniões entre apoiadores e os demais.

Também não ajuda a base da oposição no Congresso Nacional fazer oposição pela oposição. Ao longo de toda a tramitação da reforma da Previdência, por exemplo, a tática adotada foi a de obstruir a todo custo os trabalhos legislativos, sem apresentar nenhum outro projeto em substituição.

O debate público precisa ser estimulado, não restrito a bolhas. Com a melhora da economia, a radicalização pode retrair, mas as amizades e relacionamentos que se perderem até lá talvez não voltem nunca mais.

*O autor é graduando em Direito pela Ufes e editor do Instituto Mercado Popular

 

 

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