
Raphael Boldt*
O Projeto de Lei nº 7.596/2017 propõe a atualização da Lei do Abuso de Autoridade e, apesar das inúmeras discussões e manifestações favoráveis e contrárias ao projeto, não há nenhuma grande novidade na proposta. Na realidade, o que mais chama a atenção no projeto de lei (PL) são as suas disposições gerais.
Enquanto o art. 1º, § 1º indica que o crime de abuso de autoridade somente ocorrerá quando o agente o pratique com o dolo específico de “prejudicar outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda, por mero capricho ou satisfação pessoal”, o § 2º prevê que a divergência na interpretação da lei ou na avaliação das provas não configura, por si só, abuso de autoridade. O primeiro artigo do PL demonstra, portanto, a importância de preservar a independência da atuação dos servidores públicos e suas instituições.
Os argumentos de que o projeto é excessivamente genérico, o que poderia inibir a atuação dos agentes públicos, prejudicar a independência das instituições e tornar as autoridades vulneráveis, são questionáveis.
Tenho minhas críticas à expansão do direito penal e creio que alguns tipos penais se repetem e poderiam ser abarcados por previsões já existentes no código penal, porém, afirmar que a Lei promoverá a impunidade e impedirá a atuação independente dos órgãos judiciais soa extremamente superficial e aproxima-se do senso comum. Não há nenhuma inovação estapafúrdia no sentido de que as autoridades serão condenadas sem o devido processo legal, o respeito ao contraditório, à ampla defesa e à presunção de inocência, por exemplo.
O que as críticas não revelam são as relações de poder que conformam o sistema de Justiça e os interesses ocultos em meio a tantas divergências. No final das contas, o mais importante não é propriamente resguardar as instituições ou impedir “o avanço da criminalidade”, mas preservar o poder exercido por agentes estatais que despudoradamente violam previsões legais e constitucionais.
Ainda que nem todos os agentes públicos transgridam as leis e a Constituição, e apesar da minha resistência à criminalização como solução do problema, no Brasil tudo se torna aceitável, desde que a finalidade seja “legítima” ou que o alvo das violações seja o “outro”.
A única novidade do PL foi criminalizar condutas praticadas por agentes públicos em desacordo com previsões legais. Novidade que pouco fará para coibir o abuso de autoridade, afinal, no sistema penal o abuso é a regra e já foi normalizado há muito tempo.
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*O autor é advogado, pós-doutor em Criminologia (Universität Hamburg) e professor da FDV
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