
Isabella Batalha Muniz*
O jornal moderniza-se com o tempo. Lembro-me que ainda criança, meu pai sentava-se regularmente na cadeira da sala e entretinha-se por um longo período com um jornal. À época, com meus seis ou sete anos, caminhava na alfabetização, e o jornal soava para mim algo estranho o qual não compreendia.
Curiosa por desvendar aquilo que para mim era enigmático, e concentrava tanto a atenção do meu pai, debruçava-me por cima dos seus braços para verificar se havia algum significado naquelas letras pequeninas em folhas imensas de papel.
A noção de escala era distorcida e impressionava pelo tamanho. Permanecia alguns instantes por ali, mas vencida, procurava algo mais lúdico para além daquele jornal sem cores. A poetisa Ana Cristina Cezar, desde os 9 anos, fazia jornais caseiros do tamanho de uma caixa de fósforo e publicava seus poemas na “Tribuna da Imprensa”. Era a década de 1970 e iniciavam-se projetos alternativos para comunicar ideias novas.
Ana Cezar engajava-se na produção do jornal “O Beijo”, onde transparecia toda sua formação erudita ao interessar-se por questões comportamentais e de gênero com influência pop.
Em 1964, a estreia do caderno “Ela” do jornal O Globo foi inédito no jornalismo carioca. O caderno foi um dos pioneiros a mostrar ao público as boas coisas da vida cotidiana com um olhar inovador para o mundo que evoluía a passos rápidos. De lá para cá, muita coisa mudou: os hábitos, a forma de ser e de se viver. E o jornalismo acompanhou, seja na forma de abordagem das matérias, seja na comunicação visual ou nos meios alternativos de acesso compartilhado pelas tecnologias de rede.
Especializaram-se os cadernos e os encartes adicionais que contemplam os mais diversificados assuntos – moda, literatura, arquitetura, gastronomia, tecnologia. Os jornais passaram a apresentar uma nova roupagem com imagens e cores, onde a criação e a arte passaram a ter papel fundamental. A versão digital facilitou e ampliou o acesso dos leitores.
Para refletir a mudança comportamental e tecnológica destes últimos 50 anos, basta dizer que somos menos pacientes e mais acelerados; que os encontros são descorteses, constantemente interrompidos por olhares aflitos aos sinais dos smartphones, e que os jornais podem ser acessados nestes mesmos pequenos aparelhos.
O jornal está na iminência de ser extinto no mundo contemporâneo, mas bate nostalgia quando lembro do meu pai, octogenário, entretido na leitura de um jornal impresso. E compreendo o quão era prazeroso.
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*A autora é arquiteta urbanista
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