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É médica anestesiologista e atual diretora administrativo-financeira da Cooperativa dos Anestesiologistas do Espírito Santo (Coopanestes)

"Já acabou, doutor?": uma homenagem ao Dia do Anestesiologista

A pergunta singela feita pelo paciente ao despertar revela o triunfo silencioso de uma ciência que alia técnica, segurança e cuidado humano, transformando cirurgias complexas em procedimentos seguros e precisos

  • Cássia Marchiori É médica anestesiologista e atual diretora administrativo-financeira da Cooperativa dos Anestesiologistas do Espírito Santo (Coopanestes)
Publicado em 16/10/2025 às 09h00

“Já acabou, doutor?”. A pergunta é singela, quase banal. Mas, dita ao despertar após uma cirurgia longa e complexa, ou mesmo após uma “simples” endoscopia, traduz o triunfo silencioso de uma ciência que transformou a humanidade: a anestesiologia.

Em 16 de outubro de 1846, quando o éter foi utilizado pela primeira vez para induzir a inconsciência e permitir a realização de uma cirurgia sem os pavores e sofrimentos inevitáveis até então, acreditou-se que havia sido encontrada uma solução mágica. Bastaria inalar o vapor e a dor desapareceria, abrindo caminho para procedimentos cirúrgicos mais longos e ousados. Não demorou, no entanto, para que os primeiros relatos de complicações fatais relacionadas à anestesia surgissem. Aquela não era, portanto, uma descoberta definitiva, mas o início de uma ciência complexa, que exigiria método, estudo e evolução constantes.

Médico dá atestado para paciente
Médico atendendo paciente. Crédito: Shutterstock

Mais do que controlar a dor, seria preciso compreender e prevenir riscos ocultos. A exemplo de outras Ciências, a Anestesiologia iniciou seu desenvolvimento de forma empírica: observação, formulação de hipóteses, tentativas e erros. Logo se percebeu, por exemplo, que alimentos e anestesia não combinavam. A anestesia geral suprime temporariamente reflexos protetores que impedem que o conteúdo do estômago inunde os pulmões e comprometa a respiração. Dessa constatação nasceu uma das primeiras premissas de segurança da especialidade: o estômago deve estar vazio durante a anestesia. Por isso o jejum.

Esse foi apenas um de muitos aprendizados sobre as implicações da anestesia. Ainda que o domínio sobre a dor seja a característica que mais se destaca quando se pensa nessa Ciência, fato é que a missão central do anestesiologista é promover a segurança do paciente no contexto cirúrgico. É ele quem conduz o paciente à inconsciência, leva-o ao limite da vida para permitir que a cirurgia aconteça, e o traz de volta à superfície. Isso inclui cuidar da posição em que o paciente permanecerá durante o procedimento; de sua temperatura corporal; da quantidade e composição dos fluidos que circulam pelo organismo; e até da frequência de respirações e do volume de ar que deve entrar e sair a cada ciclo.

Com essa missão nobre, a especialidade se sofisticou em cada detalhe. Tudo na anestesiologia é feito de refinamentos: a monitorização, capaz de registrar em tempo real cada variação dos sinais vitais; o conhecimento profundo dos mecanismos de ação dos fármacos; o timing, que exige as doses certas na hora certa. Nem mais, nem menos. Nem antes, nem depois. E ainda para além da sabedoria teórica, o anestesiologista também é, por excelência, o especialista em habilidades técnicas decisivas: encontrar veias difíceis em situações adversas, realizar intubações complexas em vias aéreas desafiadoras, introduzir agulhas em regiões sensíveis, evitando estruturas vitais e posicionando-as com exatidão onde é necessário. Tudo feito de forma meticulosa, conforme protocolos estabelecidos, antecipando o que pode dar errado em cada etapa e mitigando os riscos.

É dessa rotina precisa que nasce a impressão de simplicidade. Cada ato anestésico é uma coreografia sutil que permite ao paciente atravessar a cirurgia e emergir do outro lado em segurança. E talvez a verdadeira mágica da anestesiologia esteja justamente nisso: fazer o complexo parecer simples. O impossível, tangível. Um encontro entre ciência, técnica e arte, que se revela quando, ao despertar, o paciente apenas pergunta: “Já acabou, doutor?”.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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