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É secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional do Espírito Santo

Inteligência Artificial Geral: aliada ou ameaça para a humanidade?

De acordo com pesquisa recente da Forbes, 93% dos brasileiros conectados já utilizam IA generativa, mas apenas 54% afirmam compreender o que estão usando. Isso revela um paradoxo preocupante

  • Bruno Lamas É secretário de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional do Espírito Santo
Publicado em 10/09/2025 às 15h38

Já pensou se pudéssemos antecipar o futuro da Inteligência Artificial? Se soubéssemos que uma tecnologia criada por nós mesmos pode salvar milhões de vidas e, ao mesmo tempo, nos colocar diante de riscos inéditos? A Inteligência Artificial Geral (IAG), etapa mais avançada da IA, capaz de aprender, criar e tomar decisões de forma autônoma em diferentes contextos, desperta tanto entusiasmo quanto preocupação entre pesquisadores no mundo inteiro. Diferentemente das tecnologias atuais, sempre sob controle humano direto, a IAG projeta um futuro em que parte desse controle pode simplesmente escapar das nossas mãos.

Ao longo da história, os avanços tecnológicos sempre foram instrumentos para ampliar nosso poder e transformar o mundo. A Inteligência Artificial (IA), porém, representa uma ruptura inédita, pois não estamos mais lidando com ferramentas passivas. A IAG é um agente autônomo, capaz de aprender continuamente, adaptar-se e interagir com o ambiente. Pela primeira vez, lidamos com uma criação que pode potencializar nossas forças, mas que também pode ameaçar nossa capacidade de controlá-la.

Diante desse cenário, surge a grande pergunta: como queremos usar essa tecnologia? Como ameaça que nos divide e fragiliza, ou como oportunidade para enfrentar problemas históricos da humanidade, como a fome, as doenças e as desigualdades? Essa foi a tônica da recente entrevista do historiador e autor de best-sellers Yuval Harari ao programa Fantástico, quando ele alertou para os riscos de a humanidade “perder a corrida” para a IAG caso permaneça fragmentada e sem regras claras de uso.

Na semana passada, durante passagem por São Paulo, Harari apresentou seu novo livro, "Nexus: Uma breve história das redes de informação", no evento São Paulo Beyond Business. Em sua fala, reafirmou que a humanidade pode perder essa corrida diante de uma tecnologia que avança sem limites e que, sem regulação global, poderá nos dominar. Apesar do tom de alerta e tratando como “inteligência alienígena”, Harari lembra que esse futuro não está escrito e tudo dependerá das escolhas que fazemos hoje, da forma como organizamos a sociedade, definimos normas e democratizamos o acesso à tecnologia.

Uma visão ainda mais ousada vem do pesquisador Eli Lifland, coautor do relatório AI 2027. Segundo ele, até o ano de 2027 ou 2028 a Inteligência Artificial Geral será uma realidade e isso nem será o último estágio. Lifland prevê o surgimento da superinteligência, uma IA mais capaz que qualquer ser humano em absolutamente todas as tarefas. O marco crítico ocorrerá quando as próprias máquinas começarem a programar suas sucessoras, tornando-se imprevisíveis e potencialmente incontroláveis.

Por outro lado, há vozes mais otimistas, como a do cientista brasileiro Sílvio Meira, fundador do Porto Digital, no Recife, e uma das maiores referências no tema. No evento InovaES, realizado em julho de 2025, ele provocou o público com uma frase que ecoa: “Tecnologia não basta”. Para Meira, a verdadeira inovação vai além do avanço técnico e exige transformação de práticas e comportamentos. Ele define a IA como “Imitação Algorítmica”, não inteligente em essência, mas capaz de ampliar o que fazemos com a nossa própria inteligência. Para ele, inovação estrutural, social e cultural leva tempo e precisa ser construída coletivamente.

Essa visão dialoga com a experiência recente no Espírito Santo, quando programas de estado como o InovaPop, da Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia, Inovação e Educação Profissional (Secti), demonstram que inovação não nasce apenas em grandes centros ou laboratórios globais. O InovaPop mostra que a inovação também floresce nas comunidades, nas escolas públicas, nos territórios que aprendem a usar ciência e tecnologia para resolver problemas reais. Quando jovens do interior e das periferias criam soluções para seus próprios contextos, fica evidente que a tecnologia pode ser instrumento de transformação coletiva, e não uma ameaça inevitável.

A experiência capixaba reforça uma ideia central de que inovação não é fenômeno técnico isolado, mas processo social em rede, que envolve diversidade, aprendizado e aceitação de erros. Ao contrário da visão o historiador Harari, que prevê um futuro em que as máquinas poderiam nos impor um caminho sem saída, acreditamos que o maior desafio é garantir que a IA seja moldada por valores humanos, éticos e inclusivos.

A inovação não tem dono. Ela floresce quando é construída por muitos, e não quando fica concentrada nas mãos de poucos. Se encararmos a tecnologia como privilégio de pequenas elites, reforçaremos desigualdades históricas. Por outro lado, quando ciência e tecnologia são democratizadas, elas se tornam ferramentas poderosas de liberdade, desenvolvimento e inclusão.

Inteligência artificial
Em 6 anos teremos uma “super inteligência artificial” que será superior à soma de todas as inteligências humanas. Crédito: Shutterstock

Essa urgência fica ainda mais evidente no contexto brasileiro. De acordo com pesquisa recente da Forbes, 93% dos brasileiros conectados já utilizam IA generativa, mas apenas 54% afirmam compreender o que estão usando. Isso revela um paradoxo preocupante, pois somos grandes usuários de IA, mas ainda temos baixo nível de entendimento sobre seus impactos. Uma tecnologia tão poderosa, consumida de forma acrítica, pode reforçar desigualdades em vez de combatê-las.

As diferentes visões sobre os avanços da IA convergem em um ponto em que a falta de confiança e transparência pode abrir espaço para manipulações, exclusão e divisões sociais. Por isso, o debate sobre Inteligência Artificial precisa ser amplo, democrático e transparente, envolvendo sociedade, governos, cientistas e empresas. Novamente, ciência e tecnologia não podem ser elitizadas e, se as decisões sobre IA permanecerem concentradas, as desigualdades vão se ampliar, mas, se forem democratizadas, podem se tornar ferramentas de esperança.

Por fim, a questão não é se a Inteligência Artificial será nossa aliada ou inimiga. A verdadeira pergunta é: teremos coragem e sabedoria para ajustá-la a serviço da vida?

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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