A escola de samba Acadêmicos do Grande Rio levou para a Sapucaí o enredo “Fala, Majeté! Sete chaves de Exu". A proposta, como explicaram os autores do enredo, era discutir no sambódromo o tema da intolerância religiosa e racismo religioso. Segundo os carnavalescos Gabriel Haddad e Leonardo Bora, o enredo, além de homenagear o orixá da comunicação, pretendeu desconstruir a imagem demoníaca atribuída a Exu pelos cristãos. O mote seria afirmar que “Exu não é diabo”. Como era esperado, muitos evangélicos repudiaram o samba-enredo campeão.
Na teologia evangélica, o mundo cósmico é divido em duas esferas: divina e satânica. Com um monoteísmo rígido, acreditam que o Deus trino (Pai, Filho e Espírito Santo) e seus anjos representam as forças do bem, enquanto qualquer outra expressão espiritual é colocada no time das trevas, dos seres malignos. Por isso, mesmo que Exu não seja tratado por alguns cristãos dessa parcela de religiosos como o próprio diabo, líder das hostes malignas, ele e os demais orixás serão sempre tratados como seres demoníacos, pois a estrutura teológica possível a esta construção imaginária não permitiria outra atribuição.
Dessa forma, há um ruído semântico irreversível, pois se de um lado a Grande Rio e os adeptos das religiões de matriz africana insistem em explicar aos evangélicos que o conceito “diabo” não se aplica a Exu, por outro, a estrutura religiosa de compreensão de mundo desenvolvida nas igrejas não teria outro lugar para identificação dessa e demais entidades espirituais. A situação fica ainda mais complicada entre pentecostais e neopentecostais, porque a teologia da batalha espiritual, além de ter tal interpretação, também convoca para uma batalha.
Assim sendo, não há possibilidade de síntese teológica. No máximo, os evangélicos poderiam aceitar que essas expressões são experiências culturais fruto de crendices, o que resolveria em parte um problema muito mais profundo. O que resta fazer diante desse impasse é fortalecer o Estado Democrático, defender a laicidade, promover a tolerância e a construção cotidiana de respeito à alteridade, porque a conciliação de estruturas religiosas de compreensão de realidade tão divergentes, pelo menos em nível popular, não terá muito sucesso.
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