Em 1959, dois fãs "invadiram" a lua de mel de João Gilberto em Vitória

Um deles era Cariê Lindenberg, que relembra neste artigo como foi ter participado da intimidade do cantor que estava hospedado na casa da irmã, na Praia do Suá

Publicado em 12/07/2019 às 19h15
Atualizado em 30/09/2019 às 04h42
Astrud Gilberto e João Gilberto no Arpoardor, no Rio de Janeiro, em 1959. Crédito: Reprodução
Astrud Gilberto e João Gilberto no Arpoardor, no Rio de Janeiro, em 1959. Crédito: Reprodução

Cariê Lindenberg*

O João Gilberto que Evanilo Silva, excepcional violonista e músico amador, e eu, aspirante a compositor, conhecemos na intimidade, aqui mesmo na Praia do Suá, na então residência de sua irmã Maria, esposa de Dr. Péricles, importante engenheiro do DNER, acabou fazendo parte de um curioso episódio repleto de circunstâncias inusitadas e inesquecíveis, havidas em plena lua de mel de nosso ídolo já em ascensão.

Eles nos admitiram na intimidade daquela família educada e elegante simplesmente por conta da nossa insistente alegação de fãs incondicionais do ídolo que apenas nascia, ainda desconhecido. Ele inovou a expressão da música brasileira tornando-a aos poucos de reconhecido gosto internacional. João, com especial capricho, através da utilização de acordes diferentes e modernos, de alterações harmônicas e no andamento das músicas, criou especialmente novidades e modernizou o ritmo como a nova batida do samba. Diz-se que inspirado no som dos tamborins.

Esse pleiteado encontro e os seguintes ocorreram tendo em vista a praticidade para nós três, transformando em palco e plateia o seu especialmente preparado leito nupcial. Sem protocolos, cerimônias e muito menos quaisquer resistências, acabamos invadindo a privacidade daquela casa e fomos participando da intimidade nupcial familiar notadamente de sua cama, de onde nos passou e ensinou em muitíssimas visitas os seus extraordinários e mais brilhantes acordes inovadores.

Nós nos apegamos com especial orgulho àquele “nosso” extraordinário feito dos fanzocas, que foi para os dois intrusos como beber água pura e limpíssima na própria fonte inesgotável de musicalidade. Essa inesperada convivência que todos da casa nos proporcionaram sem ressalvas ou cerimônias foi para nós - intrometidos, mas admitidos visitantes - um verdadeiro troféu singular, como um inigualável tesouro, embutido no especial aprendizado que adquirimos ali mesmo dedilhando, sentados os três na cama. Dela foi temporariamente dispensada a a bonita, simpática e compreensiva Astrud, sua jovem mulher que ouvia tudo com estimulante paciência e condescendente compreensão.

João encontrou sua celebridade maior ao acompanhar ao violão, com seu próprio jeito especial e diferente, a cantora Elizeth Cardoso, a mais importante da época, na conhecida e famosa canção de Tom e Vinícius “Chega de Saudade”, que se tornou o marco inicial da nascente bossa nova. O experiente cantor e compositor Aluísio Oliveira, então criador e proprietário da mais ágil e melhor gravadora da época, a Elenco, observou e pressentiu no baiano algo de muito especial e valioso. Ao contrário dessa percepção, os demais músicos ouviam aquelas inovações diferentes do habitual e ainda confusos não entendiam bem se aquelas suas originalidades diferentes seriam algo de bom ou ruim. 

 

A cantora Elizeth Cardoso. Crédito: Arquivo
A cantora Elizeth Cardoso. Crédito: Arquivo

Esse “momento” da bossa nova se constituiu em um novo e extraordinário tesouro que desabrochava, ensejando e estimulando uma radical evolução tanto na música quanto nas poesias, tornando os temas das letras e as músicas mais alegres e carinhosas, desbancando do panorama aquelas trágicas intrigas que nos assaltavam então, os famosos samba-canções dramáticos.

João Gilberto foi para nós e uma infinidade de amigos e fãs de “carteirinha” como um grande cometa especial que, sem extravagâncias nem exageros, com uma enigmática força especial pouco explícita, iluminou feericamente, como faria intermitentemente um potente vaga-lume, a nós todos, mas que sempre sem grandes explicações apagava e reacendia, apenas a seu gosto. O que, como habitualmente, fez agora, definitivamente.

*O autor é empresário

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