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É neuromarketing Msc pela Flórida Chistian University(USA), diretor de Estratégia da Boomerang Inteligência

'Economia cognitiva': estamos emburrecendo com a Inteligência Artificial?

Se entendermos a IA como uma ferramenta poderosa para a eficiência, como é, a chave está em usá-la como um potencializador das nossas capacidades, não um substituto para o esforço cognitivo humano

  • Antony Moreira É neuromarketing Msc pela Flórida Chistian University(USA), diretor de Estratégia da Boomerang Inteligência
Publicado em 16/08/2025 às 14h00

Recentemente, me peguei construindo agentes GPT, automatizando atividades e considerando uma melhoria significativa de produtividade. Aliás, o que mais tratamos atualmente é a obsessão pela eficiência máxima, e realmente é incrível ter a inteligência artificial (IA) atuando como ferramenta definitiva para otimizar tarefas e processos.

Mas a conveniência oferecida por esses sistemas, e cito o ChatGPT por ser o mais conhecido deles, pode vir com um custo invisível significativo para o funcionamento do cérebro humano. Coincidentemente, enquanto me questionava sobre esse fato, e realmente buscando uma forma de entender como isso seria prejudicial para nossa realidade, encontrei um estudo recente do MIT Media Lab em colaboração com pesquisadores da University of South Australia, Harvard Law School, que lança luz sobre um fenômeno que chamam de "dívida cognitiva".

Trata-se de um processo natural do cérebro. Não se trata de um "emburrecimento" no sentido literal, mas sim de uma adaptação neural que, ao priorizar a economia de esforço mental, pode sutilmente reduzir a capacidade de pensamento um pouco mais profundo.

Os cientistas do MIT recrutaram 54 participantes com idades entre 18 e 39 anos na região de Boston. Eles foram divididos em três grupos para realizar tarefas de redação: um utilizava o ChatGPT, outro contava com a busca on-line (Google), e um terceiro dependia exclusivamente de seu próprio raciocínio, sem o auxílio de ferramentas digitais. Durante as sessões de escrita, a atividade cerebral de cada participante era cuidadosamente monitorada por eletroencefalografia (EEG), registrando as nuances de engajamento cognitivo e carga neural.

Os resultados foram claros e consistentes, repercutindo nos níveis neural, linguístico e comportamental dos participantes. O grupo que utilizou o ChatGPT apresentou o menor engajamento cerebral e um desempenho que, embora fluido na superfície, se mostrava consistentemente inferior nas capacidades cognitivas essenciais. Houve uma notável redução de até 55% da conectividade neural associada ao processamento semântico em comparação com os indivíduos que escreveram sem o auxílio de ferramentas.

A pesquisa também revelou impactos diretos na memória e percepção de autoria dos textos. De forma surpreendente, 83,3% dos usuários de ChatGPT falharam em citar corretamente trechos de suas próprias redações minutos após escrevê-las na primeira sessão. Essa dificuldade persistiu: mesmo quando tiveram que escrever sem a IA na quarta sessão, 78% ainda não conseguiam recordar citações precisas.

Além disso, a percepção de autoria era visivelmente fragmentada; enquanto a maioria dos participantes do grupo "Apenas Cérebro" (94%) reivindicava autoria total de seus trabalhos, muitos usuários de IA atribuíam apenas 50% a 90% do conteúdo a si mesmos, sentindo que o texto não era inteiramente seu.

Em contrapartida, o grupo que se baseou apenas no próprio cérebro demonstrou a maior conectividade neural em regiões ligadas à ideação criativa, à memória de trabalho e ao processamento semântico, além de se mostrarem mais engajados, curiosos e reivindicaram a autoria total de seus ensaios.

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Inteligência artificial. Crédito: Shutterstock

Neste momento é possível considerar que o "operário cognitivo" de cada grupo tornou-se conveniente. De forma simplista, o cérebro realiza esse comportamento pela sua própria sobrevivência. Afinal, é preciso economizar e reter energia para sobreviver; se de alguma forma ele encontrou essa condição, ele se adapta. O fato é que, com essa adaptação, as regiões cerebrais de "esforço cognitivo" estão ligadas a atividades cerebrais cruciais para a tomada de decisão, memória, atenção e criatividade.

Esse fenômeno da "dívida cognitiva" é um acúmulo silencioso de capacidades não exercitadas. Talvez considerando uma inversão análoga, poderia afirmar que seria uma "atrofia" na qual o cérebro, ao perceber que não precisa se esforçar para certas tarefas, adapta-se para não fazê-lo. Como um músculo que atrofia quando o corpo se habitua à esteira automática, o trabalho é feito, mas a força e a capacidade se esvaem. A mensagem não é que a IA nos torna "burros", mas sim "cognitivamente econômicos".

Essa "economia cognitiva" levanta questões das mais diversas. Se líderes e equipes se tornam "economizadores" de esforço mental, como manterão a capacidade de analisar cenários complexos, gerar inovações disruptivas e tomar decisões verdadeiramente estratégicas que dependem de intuição e pensamento não linear?

Bem, esse artigo não tem o menor intuito de trazer medo, pavor, ou afastamento da tecnologia, pois o estudo ainda é amostral, porém já deixa pistas importantes. Precisamos nos perguntar o que vamos fazer com este conhecimento agora?

A saída não é abandonar a IA. Ela está posta e precisamos usá-la e conseguir integrá-la de forma consciente, assim como tantos outros hábitos em nossa vida. Se entendermos a IA como uma ferramenta poderosa para a eficiência, como é, a chave está em usá-la como um potencializador das nossas capacidades, não um substituto para o esforço cognitivo humano.

É preciso manter as rotinas de "pensamento puro". É fundamental que profissionais e líderes questionem as respostas da IA com profundidade, e priorizem a curadoria humana para consolidar significado e estratégia, porque, no fim das contas, se não pensarmos por nós mesmos, algo – ou alguém – o fará. E talvez não com a originalidade e a intenção humana que nossa vida e nossos negócios exigem.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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