O Brasil vive um momento singular. Duas normas recentes, a Lei de Linguagem Simples (Lei nº 15.263) e a reforma tributária, foram apresentadas como marcos de modernização do Estado. E têm potencial para sê-lo. Em 2010, a União Europeia instituiu o Clear Writing; no mesmo ano, os Estados Unidos aprovaram o Plain WritingAct.
No campo tributário, o IVA, que inspira a reforma brasileira, já é adotado em mais de 170 países. Ao aprovar suas próprias normas, o Brasil começa a se alinhar a uma tendência global de desburocratização, competitividade e aproximação entre governo e sociedade.
A promessa é clara: reduzir barreiras, tornar o Estado mais eficiente e simplificar a vida de quem produz. Mas leis abstratas são apenas o ponto de partida. A transformação real depende de políticas públicas, planejamento e responsabilidades claramente atribuídas. Sem isso, até iniciativas bem-intencionadas se dissolvem no cotidiano fragmentado da administração pública.
A Lei nº 15.263 é um bom exemplo desse risco. Ao reconhecer que o Estado deve se comunicar de modo claro, ela acerta no diagnóstico. Mas, sob a ótica jurídica, nasce frágil: não prevê fiscalização, não define responsáveis internos e não estabelece um plano de implementação.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o Plain Writing Act exige que cada agência federal designe servidores de alto nível para coordenar e supervisionar o cumprimento da lei. Na União Europeia, equipes especializadas atuam dentro da Comissão Europeia para garantir o Clear Writing.
No Brasil, o dispositivo que criaria coordenadores internos foi vetado sob a justificativa de evitar custos adicionais à máquina pública, embora o custo da não implementação seja significativamente maior. Sem responsáveis definidos, não há accountability; sem accountability, não há segurança de execução.
É importante lembrar que linguagem simples não é uma questão estética. Trata-se de uma política pública de transparência e clareza que reduz custos, aumenta eficiência, fortalece o controle social e melhora o ambiente de negócios. A falta de clareza na comunicação estatal aprofunda a insegurança jurídica, atrasa processos, eleva custos administrativos e contribui diretamente para o Custo Brasil, estimado em cerca de R$ 1,7 trilhão ao ano, aproximadamente 20% do PIB desperdiçado em razão de ineficiências estatais.
Esse peso recai especialmente sobre pequenos e médios empreendedores, que enfrentam mais obstáculos, muitas exigências com menos estrutura. Não por acaso, entre 2017 e 2022, seis em cada dez empresas criadas no país fecharam, muitas enfrentando a complexidade regulatória e fiscal, antes mesmo de conseguirem se consolidar.
A OCDE reforça esse diagnóstico ao situar o Brasil entre os países com as maiores barreiras regulatórias do planeta. Enquanto empresas brasileiras dedicam cerca de 1.500 horas anuais apenas ao cumprimento de obrigações fiscais, a média nos países da OCDE oscila entre 150 e 200 horas.
Esse descompasso estrutural torna a reforma tributária necessária. Ao adotar um modelo baseado no IVA e alinhado às práticas internacionais, a legislação busca simplificar um sistema historicamente oneroso e reduzir parte da complexidade que drena dinheiro, tempo, energia e competitividade de quem produz. É um passo para aproximar o país de um padrão global de eficiência e previsibilidade, condição essencial para destravar investimentos e modernizar a economia.
Além da complexidade de transição, há riscos estruturais que merecem atenção, como o da centralização excessiva. A perda de autonomia fiscal por Estados pode gerar conflitos federativos e prejudicar regimes tributários que hoje são funcionais. Somado a isso, embora anunciada como a maior simplificação da história, a reforma manteve exceções, regimes especiais e um longo período de transição.
Até 2033, empresas terão de operar sob dois sistemas paralelos, com alíquotas-teste previstas para iniciar em 2026. Isso exigirá do Estado uma comunicação clara, precisa e acessível, sobretudo para o Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (CG-IBS), que deverá padronizar procedimentos e evitar litígios. Aqui, comunicação simples e precisa deixa de ser apenas uma recomendação e passa a ser condição de sucesso da própria reforma. Se a transição não for compreendida, ela não será bem-sucedida.
Da mesma forma, sem canais permanentes de escuta e sem mecanismos de adaptação contínua, o risco é que a transição se torne mais um vetor de insegurança para empresas já afetadas pela complexidade regulatória. Ambientes de teste, ajustes progressivos e orientação clara serão determinantes para evitar que o novo sistema tributário reproduza os problemas que busca resolver.
O Brasil deu passos importantes ao aprovar essas duas normas. Mas, para o setor produtivo, avanços legislativos não significam que a jornada terminou; significam que o país enfim começa a construir as bases de uma economia mais competitiva. Para que a simplificação prometida se torne realidade, será preciso avançar com políticas públicas de implementação, definir responsabilidades claras e construir mecanismos de accountability capazes de sustentar a execução.
Sem isso, continuaremos presos ao labirinto da complexidade. As leis abriram a porta da produtividade; cabe ao Estado pavimentar o caminho e garantir que empresas desfrutem, na prática, os ganhos que hoje existem no plano normativo.
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