Decisão sobre perdão tornou jovem mais cristão do que o próprio padre

O homem me relatou também fatos da vida. Falou que sua mãe era dona de quatro igrejas, mas que ele não frequentava nenhuma

Publicado em 22/08/2019 às 21h36
Atualizado em 29/09/2019 às 18h19

Um problema tão grave quanto a violência e a criminalização dos pobres que moram nas periferias da Grande Vitória é a ausência de serviços básicos como a limpeza nas ruas e becos, além da enorme quantidade de cachorros e outros animais como insetos, ratos e baratas, potenciais vetores de doenças.

Devido à falta de limpeza pública, costumo varrer o beco onde moro, em Itararé. Em uma manhã, enquanto estava varrendo o beco, ouvi do alto da escadaria uma vizinha mostrar o padre varrendo para algumas pessoas, e é o que narro neste sexto artigo, que compõe uma série, em que narro a descoberta de valores cristãos na relação com os traficantes.

Uma das pessoas ficou curiosa, pois nunca tinha conversado com um padre, e um padre varrendo o beco era algo inusitado. Veio conversar comigo, enquanto enrolava um cigarro de maconha. Acendeu e perguntou se eu queria fumar também. Disse a ele que não, mas que ele poderia ficar à vontade.

Ele me perguntou se eu fazia aquelas conversas em que as pessoas contavam as coisas erradas que faziam, mas que ele não sabia como era o nome. Perguntei se ele queria se confessar. Ele disse que não sabia se era isso, mas que ele estava incomodado com uma situação e se eu poderia ajudá-lo. Disse a ele que sim, mas que ali não poderia atendê-lo como penitente, mas como um amigo ouvinte.

Padre Kelder

Cargo do Autor

"chei estranho, pois ele com quase 40 anos tinha só um filho, e nas periferias os jovens se tornam pais muito ced"

Além de contar sobre o conflito, relatou-me também fatos da vida. Falou que sua mãe era dona de quatro igrejas, mas que ele não frequentava nenhuma. Perguntei se tinha filhos, e ele disse que tinha uma criança de 6 anos. Achei estranho, pois ele com quase 40 anos tinha só um filho, e nas periferias os jovens se tornam pais muito cedo.

Então, ele me disse que na verdade tinha outro filho com 19 anos, que fora assassinado. Perguntou se eu tinha ouvido falar das mortes no Centro de Vitória, no carnaval do último ano. Disse a ele que sim, que me lembrava de dois homicídios. Ele disse que um dos jovens era o filho dele.

Ele me disse que os assassinos foram presos e foram parar na cela de amigos que perguntaram a ele o que queria que fosse feito com eles. Nesse momento ele interrompeu, olhou para mim e perguntou: “O senhor sabe o que eu respondi, padre?”. Disse a ele que não. Ele continuou dizendo que respondeu aos amigos que não era para eles fazerem nada, pois não ia adiantar. Não tinha como trazer o filho dele de volta.

Surpreso com a resposta, eu disse a ele que, apesar de ele nunca ter entrado na Igreja Católica e da mãe dele ser dona de quatro igrejas,  o que ele fez o tornava mais cristão do que o padre, porque o perdão é o que melhor traduz a essência da fé cristã.

A Gazeta integra o

Saiba mais

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rápido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem.

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta.

A Gazeta deseja enviar alertas sobre as principais notícias do Espirito Santo.