Flavio Cheim Jorge e Ludgero Liberato*
Nossa Constituição consagrou princípios inerentes ao processo penal e, ao lado deles, a garantia ao devido processo legal, como cláusula genérica, apta a manter a função que possui no sistema anglo-saxão, de onde foi importada: ser fator de atualização permanente das garantias do indivíduo frente ao Estado.
Foi a partir da garantia genérica do devido processo legal que a Suprema Corte americana extraiu inúmeras outras garantias, permitindo-se o controle sobre os novos meios de obtenção de prova.
Por isso, foi correta a decisão da segunda turma do STF (Supremo Tribunal Federal) ao anular a sentença que condenou Aldemir Bendine, por não lhe permitir falar após os colaboradores premiados.
Ao se celebrar um acordo de colaboração, o acusado passa a ter deveres junto aos órgãos acusatórios, dentre os quais o de adimplir ao que foi pactuado, para que sejam atingidas algumas das finalidades legais, quais sejam: a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas; a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa; a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa; a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa; e a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.
Com isso, na prática, o colaborador torna-se um sujeito processual muito mais próximo da acusação do que dos demais acusados. De outro lado, o direito de falar por último, após conhecer todos os argumentos da acusação (e de seus colaboradores) é uma garantia da defesa, essencial para que ela possa rebater tudo aquilo que é arguido em seu desfavor.
Além disso, não se trata de uma manobra procrastinatória, pois garantir que as defesas dos acusados não colaboradores falem após aqueles que firmaram acordos gera atraso de poucos dias.
Em suma, com a decisão do STF, a garantia do devido processo legal cumpriu seu papel ao servir como válvula de permanente atualização das garantias do indivíduo. A decisão, contudo, somente será aplicável aos processos nos quais houve tempestiva alegação e demonstração do prejuízo ao acusado.
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*Flavio Cheim Jorge é advogado, doutor pela PUC/SP e professor titular da Ufes; Ludgero Liberato é advogado e mestre em Direito Processual pela Ufes
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