Se há um dado que deveria fazer o Brasil inteiro perder o sono é o do número de crianças de 6 e 7 anos que não estão alfabetizadas. Segundo levantamento do MEC (Inep), quatro entre dez crianças brasileiras estão alfabetizadas ao chegar no 2º ano do ensino fundamental. Esse número representa 56,4% de crianças matriculadas. Os dados também mostram que houve uma queda em relação ao o número de estudantes alfabetizados em 2019 – antes da pandemia da Covid-19 – quando seis entre dez crianças estavam aptas a ler e escrever.
E se esse já era um dos grandes desafios da Educação Básica brasileira, o longo período de escolas fechadas durante a pandemia da Covid-19 acentuou ainda mais o problema. Eis por que estamos diante de um momento tão desafiador quanto esperançoso, com a expectativa de lançamento do Compromisso Nacional pela Alfabetização, política de alfabetização proposta pelo Ministério da Educação que está sendo debatida com diversas organizações educacionais.
É uma resposta necessária frente aos dados alarmantes de que tenho conhecimento. Pesquisa do Datafolha encomendada pela Fundação Lemann, Itaú Social e BID, realizada em dezembro do ano passado, mostrou que, na percepção de pais e responsáveis, 40% de estudantes estão com algum desafio no processo de alfabetização – ou não estão avançando ou avançam com dificuldades.
Mais do que nunca precisamos trabalhar de forma cooperativa e colaborativa para que 100% das crianças estejam efetivamente alfabetizadas ao fim do 2º ano, além de assegurar a recomposição dos processos de alfabetização para os alunos dos anos subsequentes, impactados pela pandemia.
As evidências mostram que a alfabetização até o segundo ano do ensino fundamental é essencial para o pleno desenvolvimento dos estudantes e a continuidade de sua trajetória escolar. Não ser alfabetizado na idade certa, por outro lado, prejudica toda a trajetória escolar do aluno, levando a altas taxas de reprovação, distorção idade-série, aumento da evasão escolar, dificuldade de acesso ao mercado de trabalho e prejuízo ao desenvolvimento geral de crianças e jovens.
A boa notícia é que o Compromisso Nacional pela Alfabetização está assentado num princípio que tem dado certo em muitos estados, como no Espírito Santo: o Pacto pela Aprendizagem no Espírito Santo (Paes) se estrutura num modelo de regime de colaboração entre estado e municípios. A maioria das crianças em fase de alfabetização estão matriculadas nas redes municipais de ensino, e o regime de colaboração permite justamente que políticas estruturantes sejam desenvolvidas e coordenadas em seu benefício.
É um modelo já experimentado e desenvolvido, com resultados positivos na aprendizagem dos estudantes. A queda dos níveis de alfabetização constatada durante a pandemia foi significativamente menor em estados como Espírito Santo, Amapá, Pernambuco e Sergipe, que iniciaram o regime de colaboração em 2019 (9,8 pontos percentuais nesses estados, contra uma média nacional de 18 pontos percentuais).
Apesar de a Constituição falar de um regime de colaboração entre estados e municípios – e desses com o governo federal – na prática isso é exceção. Conforme os números citados acima, o país pagou um preço muito maior na pandemia por não ter um sistema organizado de colaboração.
Além do compartilhamento de desafios e experiências de cada um, o modelo garante que governos estaduais deem o suporte necessário para que as prefeituras melhorem seus índices de alfabetização, assegura a pactuação e a otimização de programas, promove ações que reduzam desigualdades educacionais.
Em documento dedicado a recomendações para políticas de alfabetização em regime de colaboração, o Todos Pela Educação, o Instituto Natura, a Associação Bem Comum e a Fundação Lemann apontaram alguns fatores de sucesso: desenho e legitimidade, com planejamento e institucionalização da política e garantias de viabilidade dos recursos; compromisso técnico e político, com pleno envolvimento do governador e dos prefeitos; cooperação e incentivos entre estados e municípios por meio do ICMS, bolsas para formadores e premiação das escolas; governança participativa e bem estabelecida; engajamento pelo diálogo; fortalecimento da aprendizagem, com gestão pedagógica que garanta coerência entre currículo, avaliação, material didático e formação de professores; e, por fim, avaliação e monitoramento do programa.
A premissa da equidade racial também está prevista no Compromisso pela Alfabetização, algo em linha do que acreditamos para um Brasil mais justo, inclusivo e avançado. Crianças negras e em níveis socioeconômicos mais baixos foram as mais prejudicadas durante o fechamento das escolas na pandemia. De acordo com o Saeb de 2019, a aprendizagem dos estudantes brancos para Língua Portuguesa era de 46% do esperado, ante 27% para os estudantes pretos. Isso diz muito sobre a nossa desigualdade.
Alfabetização na idade certa, equidade racial e escolas em tempo integral são exemplos de destaque do MEC que estão alinhados com o que estamos fazendo no Espírito Santo. Já passou da hora tal compromisso, mas antes tarde do que nunca: este é o momento de estarmos juntos nesta jornada para garantir a alfabetização de nossas crianças e o seu o direito à educação e ao futuro.
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