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É psiquiatra e membro da Apes

Borderline: quando transtorno vira rima sertaneja, mas sem o devido respeito

O motivo da reação não foi apenas o uso do nome da doença como título da canção, mas principalmente a forma como ela foi retratada na letra — de maneira pejorativa, desinformada e, infelizmente, dolorosa para quem conhece a realidade da enfermidade

  • Maria Benedita Reis É psiquiatra e membro da Apes
Publicado em 30/04/2025 às 15h49

Nos últimos dias, uma música em fase de composição publicada nas redes sociais por uma cantora sertaneja gerou grande repercussão, especialmente entre profissionais da saúde mental e pessoas que convivem com o Transtorno de Personalidade Borderline.

O motivo da reação não foi apenas o uso do nome da doença como título da canção, mas principalmente a forma como ela foi retratada na letra — de maneira pejorativa, desinformada e, infelizmente, dolorosa para quem conhece a realidade da enfermidade.

Embora não se trate aqui de atacar ou cancelar a artista — algo que não contribui com o debate — é preciso reconhecer que transformar um transtorno mental sério em metáfora para relacionamentos conturbados ou comportamentos impulsivos reforça estigmas.

Em trechos da canção, por exemplo, sugere-se que não é preciso nem de registro médico (CRM) para diagnosticar a condição. Além disso, a maneira como a pessoa com Borderline é retratada sugere um desvio de caráter, como se sua instabilidade emocional fosse fruto de escolha ou manipulação, o que não condiz com a realidade clínica da doença.

O Transtorno de Personalidade Borderline é reconhecido por órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e está descrito em classificações internacionais como o DSM-5 e o CID-11. Ele afeta profundamente a maneira como o indivíduo lida com suas emoções, seus relacionamentos e sua autoimagem.

As crises de impulsividade, o medo intenso de abandono e os comportamentos autodestrutivos não são traços de “drama” ou “exagero”. São sintomas de um sofrimento psíquico real, que demanda diagnóstico especializado e acompanhamento por psiquiatras e psicólogos.

Maraísa
Maraísa publicou vídeo com música inédita que cita borderline, mas já foi apagado. Crédito: instagram

Quando a arte, por desconhecimento, trata esse sofrimento com descuido, contribui para o desserviço, o desamor e o desamparo. A quem já enfrenta tantos desafios internos, ouvir que sua condição é “fácil de identificar” ou que ela define quem a pessoa é moralmente, machuca e isola ainda mais.

E este debate se torna ainda mais necessário no mês de abril, quando a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) realiza a campanha de combate à psicofobia — um alerta contra o preconceito e a desinformação sobre doenças e transtornos mentais. Que possamos transformar o equívoco em oportunidade de conscientização. Porque mais do que rótulos, quem sofre precisa de acolhimento.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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