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É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mestre em Direito Processual também pela Ufes

Bolsonaro na representação húngara: embaixada não é território estrangeiro

O que de fato ocorre é que as embaixadas gozam de inviolabilidades e garantias previstas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas

  • Luiz Felipe Costa Santana É bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). Mestre em Direito Processual também pela Ufes
Publicado em 01/04/2024 às 15h20

Na última semana, o jornal norte-americano The New York Times revelou que ex-presidente Jair Bolsonaro passou alguns dias na embaixada da Hungria no último carnaval. A publicação mostrou Bolsonaro chegando em seu carro na representação húngara em Brasília e apresentou imagens que mostram o ex-presidente se abrigando nas dependências para convidados da missão diplomática, tudo isso com o aval do embaixador húngaro acreditado perante o Estado brasileiro.

De acordo com o apurado, Bolsonaro ficou na representação húngara entre os dias 12 e 14 de fevereiro. O fato chamou atenção por ter acontecido justamente após o ex-presidente ter sido um dos alvos de operação da Polícia Federal para investigar a participação em atos golpistas, da qual resultou apreensão de seu passaporte. Desde então, aumentaram as suspeitas de que o ex-mandatário planejava escapar da aplicação da lei penal brasileira, inviabilizando, dessa forma, um eventual cumprimento de sua prisão.

O episódio se assemelha ao caso do australiano Julian Assange, abrigado na embaixada do Equador no Reino Unido; o do ex-senador boliviano Roger Pinto Molina, refugiado na representação diplomática brasileira em La Paz; e o do ex-presidente hondurenho Manuel Zelaya, que buscou refúgio na embaixada do Brasil em Tegucigalpa após seu retorno incógnito ao país da América Central.

Em situações como essas, costuma ser noticiado o entendimento – equivocado – de que a embaixada de um Estado em outro país é território estrangeiro, razão pela qual as autoridades locais não poderiam exercer suas competências naquele ambiente.

No entanto, as representações diplomáticas de um país não são porções do território estrangeiro fincadas de maneira fictícia em outro Estado. O que de fato ocorre é que as embaixadas gozam de inviolabilidades e garantias previstas pela Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que em seu artigo 22.1 dispõe que “os locais da Missão são invioláveis. Os agentes do Estado acreditado não poderão neles penetrar sem o consentimento do Chefe da Missão”.

A mesma garantia é dada pelo artigo 31 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares no que toca aos locais de exercício das atividades de representação consular de um país.

Portanto, a existência de representações diplomáticas e consulares de qualquer país no Brasil não significa que dentro daqueles locais a pessoa esteja saindo do território brasileiro e adentrando os limites territoriais do Estado detentor da representação, chamado de Estado acreditado no jargão das convenções internacionais mencionadas.

Ex-presidente Jair Bolsonaro na Embaixada da Hungria
Ex-presidente Jair Bolsonaro na Embaixada da Hungria. Crédito: Reprodução/The New York Times

Na realidade, o que existe é a obrigação de o Estado brasileiro – e de todas as suas autoridades de quaisquer dos Poderes – de garantir a prerrogativa de inviolabilidade consagrada a esses locais, em nome do respeito ao livre exercício das relações diplomáticas entre os países.

No entanto, a garantia da inviolabilidade pode significar – em casos de refúgio e obstáculos à aplicação da lei penal pelo Estado acreditante – um grande constrangimento e afetar consideravelmente o saudável exercício das relações entre os países.

Em sua justificativa apresentada ao Supremo Tribunal Federal, Bolsonaro aduziu que não pretendia buscar refúgio na embaixada da Hungria, que mantém uma ativa agenda de compromissos políticos e é alinhado com o pensamento conservador (reacionário, numa análise mais precisa) do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán. Essas alegações com um quê pitoresco talvez sejam suficientes para explicar o fugaz pouso húngaro do ex-presidente.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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