
Iana Penna e Elda Bussinguer*
Ignorados pelo Estado e tratadas com descaso pelo poder público, em uma omissão que pode comprometer seus futuros, milhares de crianças autistas encontram-se sem o atendimento necessário a lhes prover as condições básicas, indispensáveis a garantia de uma vida digna. O Estado é responsável e deve ser juridicamente demandado.
Relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (2018) registrou aumento significativo no número de crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apontando incidência de 1,6% da população.
No Brasil, não estão disponíveis dados estatísticos seguros, tendo o IBGE, no último censo, ignorado o transtorno. Considerando-se a mesma incidência dos EUA, estima-se existirem 3.355.200 autistas no país, sendo 64 mil apenas no Espírito Santo.
A inexistência de dados, cientificamente validados, em razão da omissão estatal, compromete o estabelecimento de políticas públicas voltadas a garantia do Direito Fundamental à Saúde dos autistas. Hoje, a assistência à saúde dos autistas no país fica a cargo, majoritariamente, das famílias e das poucas associações privadas existentes.
No ES, a situação é grave. Autistas e suas famílias encontram-se abandonados pelo poder público. Nos Centros Especializados em Reabilitação (CER) não existem neurologistas para o atendimento e os autistas e suas famílias contam com apenas quatro centros em todo o Estado. Nenhum deles com atendimento multidisciplinar adequado. Em Nova Venécia, Colatina e Cachoeiro, o atendimento é feito pelas Apaes e, em Guarapari, pela Pestalozzi, sendo que nas duas últimas sequer há convênio entres as associações e o poder público. Na Grande Vitória não há centro especializado e a Apae não tem convênio com o Estado para o atendimento.
A intervenção precoce é condição essencial à redução de danos, maximizando as oportunidades e diminuindo as vulnerabilidades. Quanto mais cedo ocorrer o diagnóstico e o tratamento, maiores as possibilidades em razão da maior plasticidade neural nos primeiros anos de vida.
A omissão estatal frustra expectativas e compromete o futuro. Aplica-se ao caso a “Teoria da Perda de uma Chance” que, segundo Cavalieri Filho, “Caracteriza-se quando, em virtude da conduta de outrem, desaparece a probabilidade de um evento que possibilitaria um benefício futuro para a vítima...”.
O descaso/incompetência estatal na implementação de uma política pública adequada implica no dever de indenizar. Não pode o Estado, por sua omissão, comprometer o futuro, mitigando o Direito Fundamental à saúde e à uma vida digna.
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*As autoras são, respectivamente, pós-doutoranda em Direito da FDV; e coordenadora do Doutorado em Direito da FDV e doutora em Bioética pela UnB
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