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É presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ)

Atentado em Aracruz exige uma resposta do Estado brasileiro

É necessária uma lei federal para proibir a venda do livro “Minha Luta” e de toda obra que faça apologia ao nazismo, e é preciso instituir política pública de Estado para desbaratar grupos e identificar as suas origens e financiamentos

  • Alberto David Klein É presidente da Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (FIERJ)
Publicado em 27/11/2022 às 03h00
Atirador tinha suástica nazista e usou arma do pai policial militar em ataques em Aracruz
Atirador tinha suástica nazista e usou arma do pai policial militar em ataques em Aracruz. Crédito: Reprodução

Um jovem de 16 anos, usando uniforme camuflado (nele, a suástica), chapéu, máscara e colete, invade duas escolas. Na primeira, pública, alveja 11 professores – duas pessoas morrem. Escapa dali e faz um novo ataque em outra escola (particular) atirando em alunos – matou uma estudante. Foram três mortes naquele dia e 13 pessoas feridas, perplexidade na comunidade de AracruzEspírito Santo, e no Brasil. Infelizmente, enquanto escrevo, a Secretaria de Saúde do Espírito Santo informa que mais uma pessoa morreu, elevando o caso para quatro vítimas mortasQuatro pessoas seguem hospitalizadas em estado grave. Tudo ocorreu neste final de novembro, mas o planejamento desses atentados, segundo apuraram as autoridades policiais, começou há dois anos.

O rapaz, que responderá por homicídio qualificadoaparentava tranquilidade ao ser preso. Ficamos sabendo, pelos meios de comunicação, que o pai dele, antes disso tudo, tinha publicado em rede social recomendação para a leitura do livro "Minha Luta", autobiografia de Adolf Hitler.

Esse doloroso episódio no Espírito Santo, que nos faz dirigir toda solidariedade às famílias enlutadas e à comunidade de Aracruz, nos atinge muito particularmente, pois a comunidade judaica tem alertado as autoridades deste país sobre o crescente número de células nazistas e o perigo que isso representa a todos os que vivem no Brasil.

Em setembro do ano passado, a Federação Israelita do Estado do Rio de Janeiro (Fierj) obteve, na Justiça, liminar para proibição, venda, anúncio e exposição do livro “Minha Luta” por uma plataforma virtual. Em outubro deste ano, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) decidiu manter a proibição da comercialização do livro. No nosso município (Rio de Janeiro) há uma lei que proíbe a comercialização desse ou de outros livros de inspiração nazista. No entanto, faz falta uma lei federal, como se vê, lamentavelmente, pelo episódio de Aracruz e de outras notícias sobre o crescimento de células nazistas no Brasil.

Já fomos criticados pela argumentação de que seria em um contexto de liberdade de expressão que esse livro poderia circular, como é defendido nos Estados Unidos esse princípio, porém aqui não há amparo em nosso ordenamento constitucional e legal para isso. Apologia ao nazismo, no Brasil, é crime (Lei nº 7.716/1989).

É certo que o ambiente de polarização política em nosso país tem propiciado muitas acusações e inviabilizado o essencial: não foi considerada e adotada, adequadamente, nenhuma estratégia policial em âmbito federal e com apoio dos aparatos policiais nos Estados e cidades com alcance suficiente para sufocar o crescimento de células nazistas. O que temos visto são ações em conta-gotas. Temos no noticiário uma ocorrência aqui e outra ali de desmantelamento de grupos. O que falta é um plano que compreenda o rastreamento de quem está por trás da doutrinação e do armamento dos jovens e, principalmente, que identifique o financiamento deles.

Traço comum em agressores que aderem ao discurso nazista é serem pessoas de fácil doutrinação, visto que têm a necessidade de pertencimento e muitos vivem na adolescência forte sentimento de rejeição. Eles têm o equilíbrio emocional abalado e encontram nas células nazistas apoiamento e encorajamento aos crimes. Daí vem a impressionante tranquilidade com que o rapaz de Aracruz se encontrava. Ele traçou e executou um plano. É frio e indiferente à dor que causou porque seu propósito doentio foi atendido.

O perigo da proliferação de células nazistas é que, assim como na Segunda Guerra Mundial, perseguem todos os que consideram “inferiores”: judeus, homossexuais, negros, testemunhas de Jeová, outras pessoas com credos que não são os seus. O mito de povo pacífico que se ostentava neste país, anos atrás, nem de longe nos dá a tranquilidade de espiar o que ocorreu em Aracruz como um episódio. É, na verdade, algo brutal que não pode passar sem real debate e encaminhamento de propostas para o enfrentamento do problema em território nacional.

Insistimos que é necessária uma lei federal para proibir a venda do livro “Minha Luta” e de toda obra que faça apologia ao nazismo, e que é preciso instituir política pública de Estado e com participação dos entes federados, Ministério Público, Judiciário, para desbaratar grupos e identificar as suas origens e financiamentos. Se necessário, sim, revisão do Marco Civil da Internet. Nada, porém, será melhor do que educar. É preciso fortalecer nas novas gerações um código de regras e condutas. Ensinar a moral e a ética por trás desse código e que seja em vista de uma cultura de paz.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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