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É advogada especializada em Direito de Família e Sucessões

Alienação parental: estamos honrando a lei ou distorcendo seu propósito?

Após 15 anos, parece claro: o problema não está na existência da lei, mas na forma como tem sido interpretada e aplicada

  • Rayane Vaz Rangel É advogada especializada em Direito de Família e Sucessões
Publicado em 26/08/2025 às 12h19

Em agosto, a Lei nº 12.318/2010 completa 15 anos. Desde sua criação, tem sido um marco na proteção do direito constitucional à convivência familiar saudável. Ainda assim, encontra-se ameaçada por projetos que propõem sua revogação integral. O debate em torno da lei tem sido acirrado. De um lado, os que pedem a revogação total, sob o argumento de que a norma estaria sendo usada para deslegitimar denúncias de violência. De outro, aqueles que defendem a sua manutenção e seu aperfeiçoamento.

Como pode uma lei criada para proteger vínculos familiares ser acusada de rompê-los? Após 15 anos, parece claro: o problema não está na existência da lei, mas na forma como tem sido interpretada e aplicada. A lei não nasceu para punir, silenciar ou afastar injustamente pais e mães de seus filhos. Seu núcleo é o artigo 3º: o direito fundamental da criança à convivência familiar saudável. Essa é a base e o verdadeiro espírito da lei.

O CNJ já registrou 3.407 novos processos com alegações de alienação parental em 2025, evidenciando que o tema é recorrente nos tribunais. Entretanto, nem todos os casos que chegam ao Judiciário representam, de fato, situações de alienação parental. Muitos decorrem de conflitos pontuais, ruídos na comunicação ou episódios isolados. Em parte desses processos, o discurso da alienação é utilizado de forma estratégica, como mecanismo de retaliação ou tentativa de controle.

Contudo, é preciso fazer uma distinção honesta. A alienação parental, quando configurada, é uma forma grave de violência psicológica, que exige resposta qualificada. É nesse ponto que se revela o principal desafio: o descompasso entre o texto da lei e a prática institucional.

A ausência de equipes interdisciplinares qualificadas, a pouca capacitação dos operadores do Direito e a cultura combativa do sistema de Justiça transformaram a aplicação da lei, em muitos casos, num instrumento de disputa, e não de proteção.

É preciso compreender que o Direito de Família não se resolve com fórmulas prontas ou respostas automáticas. Trata-se de um campo que exige, além da técnica jurídica, escuta qualificada, sensibilidade para o que se revela nas entrelinhas.

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Alienação parental. Crédito: Freepik

Diante desses desafios, é necessário pensar em caminhos concretos antes de recorrer a medidas extremas. Ampliar a convivência familiar, oferecer acompanhamento psicológico especializado e instituir programas obrigatórios de orientação e capacitação parental, bem como avaliações biopsicossociais periódicas, são alternativas que precisam ser consideradas e esgotadas antes da adoção de decisões drásticas, como a inversão de guarda ou mudança de domicílio.

Quinze anos após sua criação, a Lei de Alienação Parental ainda representa um instrumento essencial de proteção à infância, desde que corretamente interpretada e responsavelmente aplicada. Não se trata de revogá-la, mas de honrar seu propósito: preservar vínculos, e não rompê-los.

Este texto não traduz, necessariamente, a opinião de A Gazeta.

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